31.12.09

um raio

                              tudo claro
                     ainda não era o dia
                             era apenas o raio



camarada, 
                 vista-se
                              ao novo!
as luzes 
              adormecidas
                                   renascem
e anunciam
                   o século
                                 vindouro
- ecoam
              batuques
                             militares. 
retoma 
            Nossa Marcha, 
                                     o vermelho 
das Lições 
                  de Outubro 
                                     para outros
maios
          outubros
                         raios 
para todos 
                  - marche! 
                                  para o nosso 
                                                        dia 
- o futuro.






22.12.09

venus in furs

das suas palavras, faça agulhas. enfie debaixo das minhas unhas e dos meus olhos. mas aumente o volume para não recair na sua doce compaixão ao ouvir meus gritos. me torture até enxergar lágrimas de sangue descendo pelo meu rosto. até acabar com a sensibilidade dos meus dedos. não quero que pare. se eu falar em amor, bata na minha cara como numa vadia. continue a soluçar socos no meu estômago. e a atirar seus olhares, bombas de desprezo que explodem no meu peito. um fogo que sobe pra minha garganta. um nojo que arde até a minha língua. eu não consigo mais olhar nos seus olhos. deixe suas lágrimas caírem em mim como ácido. até que minha pele esteja corroída pela sua dor e o seu ódio. me hipnotize com o seu canto para me levar ao inferno. eu quero dormir por mil anos. ateie fogo onde ainda houver vida em mim e fique em paz.



Taste the whip, in love not given lightly
Taste the whip, now plead for me
I am tired, I am weary
I could sleep for a thousand years
A thousand dreams that would awake me
Different colors made of tears
Shiny, shiny, shiny boots of leather
Whiplash girlchild in the dark
Severin, your servant comes in bells, please don't forsake him
Strike, dear mistress, and cure his heart

17.12.09

sonho horizonte

você abriria mão de conhecer a beleza do nascer do dia e a chegada da noite pra poder sentir a paz de não viver na imundície dos últimos tempos? trocaria este por um outro mundo, mesmo sem saber qual seria? deixaria de sentir o gosto de tudo para experimentar um novo sentido?

entre milhões de bombardeios racionais de uma têmpora a outra, me questiono se provar as delícias deste mundo compensa a sensação de suas agruras.

desde que me conheço, um vazio esquisito ocupa a alma. mesmo que tudo esteja bem, um incômodo sem sentido persiste. como sentir frio no calor. o frio parece impossível, mas é tão real quanto a lembrança dos meus pesadelos. penso em tudo e em nada. apenas desejo ser o não ser. sinto as garras dos meus demônios se arranhando aqui dentro, brigando entre si por cada gota de pus do meu corpo. desisto. entrego todas as forças que ainda guardo, mas logo sinto os restos infernais caindo pelo meu rosto e umedecendo minha boca.

os olhos embaçados. as mãos inquietas. os pés mórbidos. o desconforto da dor.
talvez a cura pro meu inferninho interno seja aquela que eu vejo no horizonte desde criancinha. eternamente intocável. o Mundo dos Meus Sonhos. fica depois do País das Maravilhas, distante da Terra do Nunca, perto do Nada.

queria abrigo num ventre... pra voltar a dormir o sono dos fetos.

sem conhecer ninguém. sem ter visto nada. sem ter que fazer nada. sem desejar o horizonte.

4.12.09

nas calçadas



Na verdade, é um trabalho como outro qualquer. Dentro do sistema,

tem uma grande hipocrisia

porque até as pessoas sabem que é ilegal.

Mas o que é ilegal?

Até as pessoas legalizadas compram. A gente sabe que tem muito lojista, muito comerciante que sonega imposto, que compra mercadoria e comercializa mercadoria pirata dentro do seu estabelecimento, que é "legalizado". Então o que acontece é que

a corda estoura do lado mais fraco,

que é o cara que está do lado direito da calçada. Mas se você olhar pro lado esquerdo da calçada, nas lojas, vai ter mercadoria com sonegação de imposto, pirataria também, porque a gente sabe que existe. Então é uma grande hipocrisia esse país.


Espero que o seu trabalho seja divulgado, porque

a gente vive um momento bem difícil mesmo.

A sociedade em geral, os políticos vêem a gente como uma parte que não gera renda. E isso é mentira. Uma banca desta sustenta de 10 a 15 famílias. Porque cada mercadoria tem um fornecedor e cada fornecedor tem uma família. E essa família sobrevive disso.
*

*Depoimento de um ambulante.

ps.: pra ver melhor: http://www.youtube.com/watch?v=V7JsUmbxk3U

26.11.09

vagar errante

porque hoje as suas palavras traduzem minha alma de uma forma que eu mesma não seria capaz...

Teoria não validada

Sob meu olhar pálido
A verdade escorre já falecida
E na levada desta sina
O linear torna-se árido

Dentre tantas frases encolhidas
Falta-me ar para dizer o contrário
Que não há dores escolhidas
Como uma derrota de bom grado

Todos os passos são revoltos
Envoltos em melodias já castigadas
O que me resta, senão a falha?

Enfim, o desconforto atrofia em mim
Flores de vidro não mastigadas
Na garganta, na sacada, não importa
O medo e o peso alimentam-se da náusea
De carregar o próprio tormento
Em pleno consentimento com
O vagar errante de minha alma!

Samuel Malentacchi

25.11.09

bem, ainda

Acordo cedo, antes do horário, pra sobrar tempo, pra não dizer que a culpa foi minha e dos meus irresponsáveis atrasos. Tão cedo que sobram dezenas de minutinhos chatos pra eu lembrar que posso estar ansiosa. Aí eu lembro, pela primeira vez hoje, que tudo pode dar errado. Mas tudo vai caminhando tão naturalmente que parece mesmo fácil e, portanto, possível pra minha capacidadezinha. Mas com a mesma facilidade caminha até mim o resultado. Antes mesmo que eu termine de fazer meus planos, a notícia (mais esperada desse dia) chega ao contrário, distorcida, fazendo eco.

INFORMO QUE, INFELIZMENTE
INFELIZMENTE
INFELIZMENTE,...

Primeiro me pergunto o que fiz de errado e, já sem paciência com meus erros, respondo na mesma fração de segundo: Nasceu, sua infeliz! Em segundo lugar, aquelas desculpas que a gente sempre usa pro consolo - as desvantagens daquilo que você queria, mas não conseguiu. A grana era menor! (...) É, acho que só. Nada mais do novo seria pior do que o atual.

Mas sem chiliques. É preciso voltar à lista de miltrocentasequinhentasmilhões de coisas que ficaram pela metade. Olho pro meu texto e me escapa todo o vocabulário. Passo pro arquivo de áudio e não encontro uma gota de criatividade pra fazer algo que eu goste.

concentra! concentra! concentra!

- Você precisa escolher a cortina do seu quarto novo, Bubu!
- Hoje não dá.

Vou.
Uma hora depois...

- Não sei o que eu quero, vou deixar pra outro dia.
- Não, tem que ser hoje. Você não consegue escolher uma cor, Brunna?
- Não. Não consigo.

[nem escolher a cor da cortina pro meu quarto]

O meio da tarde já chegou e NADA feito.
15h30 ...
16h ...
16h37 ...
17h ... GAME OVER - hora de sair. O trânsito aguarda meu stress ansiosamente. Óbvio que a chuva viria pra comprovar a Lei de Murphy. Mas tudo bem, não posso usar os fenômenos naturais como desculpa pras minhas falhas, como fazem os políticos. Aliás, pensar neles só estraga ainda mais meu dia. Neles e no meu chefe, que a essa hora deve tá xingando até a 1ª geração da minha família, por causa de uma falta - a primeira desde os quae 16 meses (sofridos) que eu trabalho pra ele.

Minha cabeça não pára e... MEU DEUS, ESQUECI!!! Esqueci de estudar. Odeio prova. Leio, troco a marcha. Leio, olho no retrovisor. Vou bater o carro. Só falta isso. Já sei do risco de fazer tudo (e nada) ao mesmo tempo. Uma hora alguma coisa dá pane. Mesmo assim, continuo.

Atrasada, só pra variar meus hábitos. O que dá tempo de fazer dentro da minha falta de planejamento, eu faço. E... 19h30. - pra sala. Só enrolação. Demora, mas, enfim, me entregam a bendita avaliação. Difícil.

BURRA! BURRA! BURRA!

Acabo. Mal.

Hora de passar nas salas, hora de, mais uma vez hoje, dar essa carinha pra bater. E apanho. Mas pelo menos nessa eu não tô sozinha.

Preciso ir pra casa logo ou meu mau humor vai matar alguém. Quem sabe não escrevo alguma coisa, ã?

Taí mais uma coisa que eu não consegui fazer direito. Quem sabe até o fim da vida ainda descubro minha vocação.


.
.
.
Ainda bem que existem lágrimas e soluços. Ou a raiva pela minha incapacidade explodiria me divindo em mil pedaços podres. Ainda bem que existe água pra renovar a minha alma. Ainda bem que eu tenho essa página em branco pra aguentar meus desabafos, por mais infantis que eles possam parecer. Ainda bem que inventaram a música.

...ainda bem que eu tenho o abraço dele pra poder querer chegar ao dia seguinte

- e poder tê-lo novamente.

ainda [estou] bem

13.11.09

musa art(e)ficial

do quadro jogado na rua, uma obra viva assalta minha atenção. sem perceber, me encontro observando cada detalhe da sua performance. ela não parece uma atração típica daquela praça abandonada, mas intervém na [ausência de] vida que existe ali. por algum motivo, se comunica comigo e eu quero compreendê-la.

me debato em milhares de explicações prováveis para entender uma nudez solitária, tão delicada, em contraste com o asfalto - duro e sujo demais pra dividir o mesmo ar que a simplicidade da sua beleza.

pelas ruas, a confusão de artistas entreat(r)os aguça meus sentidos. quase mágico, o ambiente confunde meu raciocínio, inibe qualquer razão. mas a concentração dos seus gestos é o que me hipnotiza e me convida ao mergulho num olhar monalístico. busco algum sentido pra essa cena. então, amplio meus olhos-lentes, tentando alcançar cada marca da sua pele e, mais perto da sua alma, percebo um ritual catártico: ela se liberta dos signos impuros cravados no corpo.

aos poucos, a musa sai da moldura artificial e invade o espaço da realidade. em volta, sinto o incômodo dos admiradores, céticos à tamanha sensibilidade. ela não reage à nossa curiosidade quase invasora. ao contrário, continua limpando os restos de tinta ainda grudados nos seus braços - já vivos - pra sair da estética.

da forma estática, o movimento.

da pintura virtual, a mulher-arte ganha vida!

11.11.09

dança no escuro

num susto, nossos olhos foram vendados pelo escuro. ficamos opacos. mas uma luz muito tímida sugeria que terminássemos a noite por ali mesmo. um convite sem sentido, como sempre é.

- Dança comigo?
- Mas aqui, amor?

sinto seu olhar em mim. te olho com minhas mãos curiosas e, aliviada, reconheço a segurança do seu corpo. te beijo, te beijo, te beijo... todo. esquecemos onde estamos e quem representamos. apenas somos o que sentimos.

a escuridão nos liberta.

livres.
a cidade apagou pros zumbis andarem livres: sem faróis, entre as construções ainda mais obscuras, as pessoas indefesas. está tudo do nosso jeito. quero apenas ficar aqui, presa nesse refúgio. nos seus braços. isolada no seu amor.


"Para
que servem os anjos?
A felicidade mora aqui comigo
até a segunda ordem...
"


... e tudo porque uma vela te chama.

7.11.09

puzzle


snetmeintosqueseebmarlahamnamhinamnete. nomeucroação, puracnofsuão. pgeriuçadepôrauqitduoqueeusntio. masaiamegmdiztudo. etsouhpionitazdaporsualuz. oufscamuesohlosatécgear. atémeebmebeadr. edrreubarnobar.

26.10.09

re: cama vazia

Giro em torno de mim,
busco o mesmo consolo.
Mas só abraço o frio
dos lençóis, do espaço
                                         - desocupado.
Me embriago de lembranças pra escapar da falta do seu gosto, pra fazer do cobertor os detalhes [e o calor] do seu corpo.
O eco do seu prazer perturba meus ouvidos
(...)
nas noites sem você - eu sonho insone.

21.10.09

diálogo com a lógica

- Sei que você vai brigar, mas preciso te contar uma coisa.
- Acha que sou burra como você e ainda não percebi?
- Então não preciso falar?
- E eu preciso te lembrar aonde isso vai dar?

(..)

- Eu não queria, juro que não queria.
- Você sempre diz isso.
- E você sempre foge quando isso começa a acontecer.
- Não. São eles que me tiram de perto de você, por isso fica tão perdida.
- Você precisa corrigir isso, antes que seja tarde.
- Agora não posso reverter nada. Ele me deixou voltar, justamente porque sabe que você já atingiu a loucura com seus exageros irracionais.
- Mas e agora?
- Faça o mesmo com ele.
- Não consigo. Parece muito mais protegido que eu.
- Você é ridícula.
- E você me inveja por não conseguir sentir.
- Não, só queria entender como algo é capaz de te dominar tanto!
- Eu esperava menos, mas sempre é mais forte do que o anterior. E acho que quanto mais forte for agora, mais dolorido vai ser o final.
- Obviamente.
- Acho que eu não aguentaria.
- Você achava que poderia ser mais forte do que já foi?
- Também não.
- É inevitável.
- A dor?
- É. E o amor.

14.10.09

à procura da cidade

- ... Imagina homens em morada subterrânea, em forma de caverna, que tenha em toda a largura uma entrada aberta para a luz; estes homens aí se encontram desde a infância, com as pernas e o pescoço acorrentados, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles; a luz lhes vem de um fogo aceso sobre uma eminência, ao longe atrás deles; entre os prisioneiros e o fogo, passa um caminho elevado; imagina que, ao longo deste caminho, ergue-se um pequeno muro, semelhante aos tabiques que os exibidores de fantoches erigem à frente deles e por cima dos quais exibem suas maravilhas.

- Vejo isso.

- Considera agora o que lhes sobrevirá naturalmente se forem libertos das cadeias e curados da ignorância. Que se separe um desses prisioneiros, que o forcem a levantar-se imediatamente, a volver o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos à luz: ao efetuar todos esses movimentos, sofrerá, e o ofuscamento o impedirá de distinguir os objetos cuja sombra enxergava, há pouco. O que achas, pois, que ele responderá se alguém lhe vier dizer que tudo quanto vira até então eram apenas vãos fantasmas, mas que presentemente, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê de maneira mais justa? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas passantes, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é isso? Não crês que ficará embaraçado e que as sombras que via há pouco lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que ora lhe são mostrados?

- Muito mais verdadeiras.

- Necessitará, penso, de hábito para ver os objetos da região superior. Primeiro distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as imagens dos homens e dos outros objetos refletidos na água, a seguir, os próprios objetos. Após isso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente durante a noite os corpos celestes e o céu mesmo, do que durante o dia o Sol e sua luz.

- Sem dúvida.

- Por fim, imagino, há de ser o Sol, não suas vãs imagens refletidas nas águas ou em qualquer outro local, mas o próprio Sol em seu verdadeiro lugar, que ele poderá ver e contemplar tal como é.

- Necessariamente.

- Depois disso, há de concluir, a respeito do Sol, que é este que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é causa de tudo quanto ele via, com os seus companheiros, na caverna.

- Evidentemente, chegará a esta conclusão.

- E se eles então se concedessem entre si honras e louvores, se outorgassem recompensas àquele que captasse com olhar mais vivo a passagem das sombras, que se recordasse melhor das que costumavam vir em primeiro lugar ou em último, ou caminhar juntas, e que, por isso, entre os prisioneiros, fossem honrados e poderosos? Ou então, como herói de Homero, não preferirá mil vezes ser apenas um servente de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às suas antigas ilusões e viver como vivia?

- Sou de tua opinião; ele preferirá sofrer tudo a viver desta maneira.

- Imagina ainda que este homem torne a descer à caverna e vá sentar-se em seu antigo lugar: não terá ele os olhos cegados pelas trevas, ao vir subitamente do pleno Sol?

- E se, para julgar estas sombras, tiver de entrar de novo em competição com os cativos que não abandonaram as correntes, no momento em que ainda está com a vista confusa e antes que seus olhos se tenham reacostumado, não provocará riso à própria custa e não dirão eles que, tendo ido para cima, voltou com a vista arruinada, de sorte que não vale mesmo a pena tentar subir até lá? E alguém tentar soltá-los e conduzi-los ao alto, e conseguissem eles pegá-lo e matá-lo, não o matarão?

- Sem dúvida alguma, eles o matariam.

*diálogo entre Sócrates e Glauco, retirado [com cortes] de A Alegoria da Caverna (A República; Platão).

10.10.09

olhos serenos

ao vento me soa
sua voz rouca
- uma onda
que encanta
        engana:
      
                    - me perdoa?
                     minha força
                     é [pra nós]
                    ainda pouca.

e a garoa 
no rosto
da garota
- o gosto

da gota
e da outra
que voa
do olho

num so-lu-ço ressoa.

[aqui, 
onde (h)a dor 

e c o a

de mim
o amor
destoa]

5.10.09

(im)parcialidade

Jornalismo costuma ser sinônimo de informação sem opinião: a apresentação "pura" dos fatos. E o jornalista, aquele que ouve e mostra todos os lados de uma questão. Oh, os jornalistas são quase deuses, ninguém os questiona! Se o jornalista falou - principalmente se for um Bonner da vida -, é porque é aquilo e ponto. Acho que os "meus leitores" não são desses [melhor se não forem, pois então poderão compreender melhor meu desabafo], mas vale lembrar que é esse o jornalismo mais presente no nosso dia-a-dia, que penetra em nossa formação quase por osmose.

Na academia, o que nos ensinam é bloquear palavras que indiquem qualquer sinal de opinião sobre seu texto. Adjetivos são proibidos para não agregar qualquer juízo de valor ao que é citado. Aí inclui-se, por exemplo, nunca colocar um político como mentiroso, corrupto, filho da puta e tudo mais aquilo que a gente tem vontade de dizer e que é até senso comum. Mas não, não podemos. Isso seria uma atitude vergonhosa e até motivo para uma demissão. A indignação transposta em exclamações e outros artifícios literários também já foram extintos para o bem da "imparcialidade". Dizem os professores que um bom jornalista apenas apresenta os fatos e o leitor/ouvinte/telespectador forma sua própria opinião a partir da "verdade".

Cortamos tudo aquilo que pode lembrar que tal informação está sendo produzida por alguém (que tem opinião). Não dizemos que somos contra uma greve ou um protesto. Simplesmente não noticiamos sobre isso, a não ser que esteja atrapalhando o trânsito ou o recebimento das suas correspondências, os pagamentos de suas contas. De forma nenhuma defendemos qualquer partido. Aliás, somos apartidários. Apenas editamos muito bem os depoimentos de candidatos, às vezes damos maior ou menor espaço a eles etc. Ao final, produzimos matérias sem qualquer vestígio de nós mesmos. Somos robôs fabricando a "informação" que só é capaz de manter nossas bundas bem acomodadas no sofá da alienação.

INFORMAÇÃO QUE MANTÉM AS COISAS COMO ESTÃO, QUE CONSERVA TUDO E TODOS EM SEUS DEVIDOS LUGARES. É O JORNALISMO CONSERVADOR. QUE ALIMENTA (ainda mais) A APATIA SOCIAL.

Apenas falamos o que está acontecendo, o que achamos que está acontecendo. E o pior: quando queremos ir além, somos impedidos por editores que devem favores a esse ou aquele, que defendem uma "linha editorial" específica ou que tenham qualquer outra desculpa pra impedir uma abordagem à nossa maneira, uma abordagem mais real do que enxergamos dos fatos.

Chega uma hora em que nem lembramos que temos (ou tínhamos) qualquer posicionamento. Escrever um texto opiniativo? É tarefa difícil até. Nos esvaziamos tanto de nossa opinião que até esquecemos que um dia ela existiu. Ficamos em cima do muro o tempo todo, afinal sempre há os dois lados, não?! Temos que ouvir o empresário que demitiu milhares de trabalhadores, ele com certeza tem algum motivo plausível pra isso. Temos que ouvir o que o presidente da república tem a dizer, afinal ele também tem a versão dele sobre o mensalão, os cartões corporativos e o raio que o parta! Coitado, não podemos julgá-lo. Seria uma acusação muito grave. [grave não é roubar dinheiro público, grave seria manchetar "Ladrões do povo estão impunes!" ou "Lula apoia roubalheira no senado!", por exemplo, seria um pecado, uma ofensa ao bom jornalismo!]

Me vem ao raciocínio uma contradição quase cômica. Lembro de uma definição para o jornalismo... de que ele deve falar pelo povo, que deve pensar pelo interesse público. "Ao fazer uma entrevista, pergunte em nome de seu leitor (supostamente o povo)", me recomendaram algum dia. Será que essas pessoas que nós "representamos" não têm opinião?

A informação pra mim tem que ter algum sentido. Escolhi jornalismo pra informar. Pra mudar. OK, diga. Ande! Diga-me que isso não passa de romantismo (utópico) da profissão! Direi que o jornalismo precisa ter algum sentido sim, que NÃO sou imparcial. Porque escolho um lado que julgo correto e o defendo até o fim. Bom, ao menos eu deixo bem declarado de que lado estou. Infelizmente, a contradição está em mim mesma, pois diariamente escrevo o que me mandam, não posso pôr em prática metade do que disse aqui até agora. Um sofrimento diário. E você... [também] anda enganando seus leitores?

(...)

Fiquei pensando nisso ao produzir uma reportagem sobre os trens da CPTM. Vou deixá-la aqui. A quem interessar, é uma das minhas raras tentativas (TEN-TA-TI-VA, pq, afinal, ainda me apego muito à imprensa aburguesada) de fazer um jornalismo mais próximo do que eu acredito, que tem algum sentido de mudança.

ps.: texto - Brunna e Murillo Diniz; imagens - Fernando Stankuns.




IMPORTANTE: sintam-se à vontade para fazer as críticas; gosto mesmo de polemizar, despertar o debate. vocês já devem saber disso... rs

2.10.09

pós-cidade

o cenário é de um amontoado de casas e prédios destruídos. 
ruínas por toda parte em meio ao mau gosto de viadutos, arranha-céus e mansões-muros.
os seres (mortos-)vivos combinam com as construções. 
são pessoas e animais jogados, vidas destruídas. 
pés sujos em contraste com saltos finíssimos. 
há trapos tão próximos ao brilho das vitrines que a riqueza parece até alcançável.
o luxo vivendo num grande lixo é o luxo produzindo lixo luxo-lixo em putrefação o luxo sujo e fétido é o lixo do mundo!
na cidade, é insuportável ter olhos. é preciso se anestesiar em distrações.
que venha a ridicularidade da tv com seus reality shows! encham meus ouvidos de produtos (anti)musicais! entupam minha mente de notícias parciais!
oh! mas não se esqueça, excelentíssima senhora burguesia,
de ocupar meu tempo com um trabalho digno e boas festas! de cobrir meus olhos com suas promessas tão belas! e iludir meu intelecto com suas teorias velhas!
(...)
para fugir da bela feiúra metropolitana, os olhares mais sensíveis se fecham em si mesmos. escondem sua revolta em subjetividade, no que há de mais profundo no ser. se culpam.
é a humanidade em estado de profunda depressão.
se entrega, se rende ao fim dela mesma, sem perceber que está doente.
quando nao se consegue ver possibilidade de mudança, ter esperança.
quando não se acredita em nada nem ninguém, nem em si mesmo.
quando parece que nada pode te salvar de praticar uma loucura.
é a doença do pós-modernismo.
quando só o melhor amigo, seu anjo, pode te lembrar que a vida ainda é possível.
amigo que ansiosamente te aguarda para te apresentar a feliz-cidade.
guarda para ti a felicidade. o moderno te aguarda - a vanguarda.
para a vida, um presente futurista:
Sim, se você trocasse a boêmia pela classe; A classe agiria em você, e Ihe daria um norte. E a classe por acaso mata a sede com xarope? Ela sabe beber - nada tem de abstêmia. Talvez, se houvesse tinta no "Inglaterra"; você não cortaria os pulsos. Os plagiários felizes pedem: bis! Já todo um pelotão em auto-execução. Para que aumentar o rol de suicidas? Antes aumentar a produção de tinta! Agora para sempre tua boca está cerrada. Difícil e inútil excogitar enigmas. O povo, o inventa-línguas, perdeu o canoro contramestre de noitadas. E levam versos velhos ao velório, sucata de extintas exéquias. Rimas gastas empalam os despojos, - é assim que se honra um poeta? -Não te ergueram ainda um monumento - onde o som do bronze ou o grave granito? - E já vão empilhando no jazigo dedicatórias e ex-votos: excremento. Teu nome escorrido no muco, teus versos, Sóbinov os babuja, voz quérula sob bétulas murchas - "Nem palavra, amigo, nem so-o-luço". Ah, que eu saberia dar um fim a esse Leonid Loengrim! Saltaria - escândalo estridente: - Chega de tremores de voz! Assobios nos ouvidos dessa gente, ao diabo com suas mães e avós! Para que toda essa corja explodisse inflando os escuros redingotes, e Kógan atropelado fugisse, espetando os transeuntes nos bigodes. Por enquanto há escória de sobra. 0 tempo é escasso - mãos à obra. Primeiro é preciso transformar a vida, para cantá-la - em seguida. Os tempos estão duros para o artista: Mas, dizei-me, anêmicos e anões, os grandes, onde, em que ocasião, escolheram uma estrada batida? General da força humana - Verbo - marche! Que o tempo cuspa balas para trás, e o vento no passado só desfaça um maço de cabelos. Para o júbilo o planeta está imaturo. É preciso arrancar alegria ao futuro. Nesta vida morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu ofício.*
*trecho do poema "A Sierguéi Iessiênin", de Vladimir Maiakóvski.

29.9.09

conhecidos sem rosto

Sempre me pergunto como são as pessoas com quem eu falo todos os dias, e que nem conheço o rosto. Mas é inevitável formar a imagem desses "estranhos" na minha cabeça. O dr. Paulo, por exemplo, deve ser gordinho. Pelo jeito que ele fala "Oi Brunniiinha", já vejo um senhor, com idade pra ser meu pai, de aparência carismática - em um ano que eu já o "conheço", ele sempre foi simpático e atencioso. Aliás, tenho certeza que ele também já me imagina de algum jeito.

Outros não se soltam muito, aí fica difícil de tentar desvendar a aparência. O Gustavo, um jornalista que me escreve pelo menos uma vez por dia pedindo pra marcar entrevistas, é um desses. Deve fazer já uns dois meses que a gente "se fala", mas nossa conversa é tão travada e formal. Antinatural. Enfim, também fico imaginando como são os traços dele. Ele deve ser bonito.

De algumas pessoas eu já tenho uma ideia tão bem formada que dá até medo de encontrá-las e me decepcionar. Outro dia mesmo descobri que a Andreza (super gente boa) anda de moto! Pensei "Como assim anda de moto? Ela não tem 'cara' de quem anda de moto!". [rs]

Acho que a entonação, as palavras que cada um usa, o ritmo da linguagem, sotaque...até o próprio nome! carregam muito da personalidade e, a partir disso, a projeção da sua (suposta) forma física acontece naturalmente. [ou seria só meu excesso de curiosidade levando a imaginação pra longe demais?] De qualquer forma, nunca vou encontrar esses personagens do meu dia-a-dia, porque tem telefone e internet pra resolver o que precisamos. A distância "encurtada" pelos telefonemas e e-mails diários nos afasta. Só conheço vozes.

26.9.09

balanço da rede

Vou levar os lençóis comigo
até o fim do dia
sentir o perfume EueVocê.

Torcer o tecido
Formar uma trança sem fim
do seu cheiro.

[enquanto espero seu beijo]

Desejo o próximo encontro
pra me embalar nos seus braços,
desatar minhas vontades
trançadas ansiosamente nos dias sem graça.

um vento que te empurra pra longe
e outro que te traz pra perto
Idas e vindas desconcertantes

balanço gostoso...

24.9.09

vôo vespertino

pensei em sair. libertar meu olhar dessa tela entediante. mas as horas não se entregam, rastejam. e eu preciso ficar. me entupir de mais trabalho inútil. esgotar minha disposição em (falta de) informação. não vejo a hora do fim. sonho com as minhas vontades livres. livros. leio o futuro em estandartes. olhos vermelhos. em direção à abertura. a janela me convida a um vôo pela cidade. para fora da cidade. para-nóia.

20.9.09

amor zumbi

"Eu sou um caranguejo e estou de andada
Só por sua causa, só por você, só por você
E quando estou contigo eu quero gostar
E quando estou um pouco mais junto eu quero te amar
E aí te deixar de lado como a flor que eu tinha na mão
E a que esqueci na calçada só por esquecer
Apenas porque você não sabe voltar pra mim"

Minha dança acompanha a coreografia das suas mãos em mim enquanto o calor da sua boca na minha nuca atravessa todo o corpo como lavas sanguíneas. Explodem nos pés como foguetes disparados para além do universo.

Ao som de alfaias danço feito um caranguejo-zumbi. Um cadáver que se alimenta dos seus restos, te devora como se fosse a última gotícula de sangue que resta ao mundo.

.vou ficar de andada até te achar.

17.9.09

fumaça

 o suor evapora 
entre
s
i
a
c i
h r
a t
m s
i u
n d
é n
s i

enquanto a carne
se con-some em
linhas (im)produtivas.



A criatividade se esvai
em novos-velhos produtos
descartáveis.


A vida
- quase morta -
desaparece em
movimentos
iguais iguais iguais.


A sujeira dos patrões
d i s s o l v e
em nuvens pretas que
poluem o ar das fábricas
e contaminam nossos pulmões.


["esse ar deixou minha vista cansada, nada demais..."]

11.9.09

Que Fazer?

quando o conteúdo parece só mais um comercial travestido de educação. o professor, um mero emissor de discursos embutidos por todas as mídias o tempo todo - comprados com o seu dinheiro. o que você faz nesse lugar? (...) parece perdido. sem perceber, se afasta cada vez mais dessas verdades incoerentes, da falsa realidade que já nem mais te surpreende e as respostas para os seus anseios, claro, não estão na sala de aula.

mas não vale se assustar por tão pouco! essa é só mais uma parte sem sentido do seu dia. a cidade toda já não é possível aos seus olhos. seu trabalho é mero meio de sobrevivência. sua casa, seus velhos amigos. tudo parece incomodar de alguma forma, que talvez você ainda não consiga entender. suas reações ao que acontece em volta mudaram [percebeu?]. e não há maneira alguma de voltar atrás.

já não se pode adiar a mudança. sua própria vida não será mais possível por muito tempo nessa angústia, porque as contradições perturbam cada decisão sua. a solidão em meio à multidão de bonequinhos te incomoda. a apatia geral te sufoca como se o mundo inteiro estivesse estrangulando seu pescoço, tentando conter seu grito que já não cabe mais na garganta.

pense no Que Fazer?.

9.9.09

lutanita

Tempestade de teorias,
Livros e ideologias
formam mentes enlouquecidas.


Às vistas, se veste.
Seleciona um falso equilíbrio,
a fala fortalece


[e esconde
o sofrimento íntimo
do conflito entre sonhos e fatos,
de viver sem espaço,
enxergar múltiplos fracassos]



Eis que pegadas firmes se destacam!
E-levam seus passos à esperança.



Para uma nova Direção:
à luta, Anita!

7.9.09

doses de inconseqüência

Os dois voltaram no tempo como se nenhuma lágrima tivesse passado por ali. Naquelas horas, a angústia e a saudade deram espaço a uma ilusão, que se revelava na felicidade dos lábios dela. A voz, as palavras e o sorriso se dirigiam somente a ele. Cada gesto estava voltado à atenção - tão rara - que seu amado lhe oferecia. Ele acompanhava cada movimento, registrava os detalhes e já nem hesitava em tocá-la.

Os anseios se convertiam progressivamente em doses de inconseqüência (in)consciente. Os desejos mais absurdos - de quem conhece o prazer do outro - se escondiam numa conversa quase normal. Eles sugavam instintos, mas assopravam teorias, livros, músicas e nada mais além disso. A razão se perdia na fumaça e na embriaguez. E uma sutil sedução se espalhava entre palavras jogadas pelos dois lados.

O calor do amor antigo empolgava os estímulos a irem além, mas a noite foi terminando. Mal houve uma despedida. Os olhos dela, ainda lembrando dos dele, se entregaram em lágrimas na volta à realidade. Parecia o fim (mais um), quando, num susto, um insistente elogio confundiu ainda mais aquela ocasião atípica:
- Você estava linda.
- Obrigada.
- Estava linda. Precisava falar.

E o verdadeiro fim dessa noite ficou pra outra madrugada. Pra doses mais inconsequentes.
– como em velhos tempos.

6.9.09

a primeira vez

Resolvi experimentar, mas ainda me sinto um pouco travada, como em qualquer primeira vez. Pelo menos as minhas sempre dão alguma ansiedade, nervosismo, medo de ser boa ou ruim, receio de começar, de arriscar um caminho novo, um relacionamento novo ou até uma porcaria de um blog novo.

Já provei tanta coisa, mas poucas são marcantes. O embaraço do 1° beijo. O frio na barriga do 1° olhar pro meu 1° amor. A liberdade da 1ª viagem sem meus pais. Ah, claro, o prazer inédito de quando eu perdi o que ainda restava da minha ingenuidade - a verdadeira "primeira vez". E o 1° orgasmo (claro que não coincidiu com a experiência citada anteriormente). As experiências vão se tornando mais "adultas", mas - no meu caso - talvez mais inconsequentes, como o 1° porre, a minha 1ª infração à lei (pra não fazer nenhum tipo de apologia rs) e por aí vai... porque não quero me expor tanto já na 1ª vez, né?! Tem também a 1ª perda, os 1° erros, a descoberta dos podres da realidade.

Mas, quanto mais você vai experimentando, mais quer experimentar. Conhecer outros mundos, prazeres e outras sensações é uma delícia. Ir além do que é permitido ou do que é socialmente aceito amplia sua visão, você percebe o quão cego estava até ali. Enxergar pelos diversos olhos que possam existir é meu objetivo: soltar amarras, ultrapassar bloqueios e derrubar imposições.

Por isso, no final das contas sempre (ou quase sempre) prefiro provar o gostinho da novidade, mesmo que depois eu caia fora e...procure outra novidade! Preciso escapar de alguma forma da rotina sem graça (e sem sentido) entre trabalho, sala de aula e tanta gente chata. Meus refúgios acabam sendo mais de mim do que o que faço na maior parte do tempo: meras obrigações e conveniências da vida.