26.10.09

re: cama vazia

Giro em torno de mim,
busco o mesmo consolo.
Mas só abraço o frio
dos lençóis, do espaço
                                         - desocupado.
Me embriago de lembranças pra escapar da falta do seu gosto, pra fazer do cobertor os detalhes [e o calor] do seu corpo.
O eco do seu prazer perturba meus ouvidos
(...)
nas noites sem você - eu sonho insone.

21.10.09

diálogo com a lógica

- Sei que você vai brigar, mas preciso te contar uma coisa.
- Acha que sou burra como você e ainda não percebi?
- Então não preciso falar?
- E eu preciso te lembrar aonde isso vai dar?

(..)

- Eu não queria, juro que não queria.
- Você sempre diz isso.
- E você sempre foge quando isso começa a acontecer.
- Não. São eles que me tiram de perto de você, por isso fica tão perdida.
- Você precisa corrigir isso, antes que seja tarde.
- Agora não posso reverter nada. Ele me deixou voltar, justamente porque sabe que você já atingiu a loucura com seus exageros irracionais.
- Mas e agora?
- Faça o mesmo com ele.
- Não consigo. Parece muito mais protegido que eu.
- Você é ridícula.
- E você me inveja por não conseguir sentir.
- Não, só queria entender como algo é capaz de te dominar tanto!
- Eu esperava menos, mas sempre é mais forte do que o anterior. E acho que quanto mais forte for agora, mais dolorido vai ser o final.
- Obviamente.
- Acho que eu não aguentaria.
- Você achava que poderia ser mais forte do que já foi?
- Também não.
- É inevitável.
- A dor?
- É. E o amor.

14.10.09

à procura da cidade

- ... Imagina homens em morada subterrânea, em forma de caverna, que tenha em toda a largura uma entrada aberta para a luz; estes homens aí se encontram desde a infância, com as pernas e o pescoço acorrentados, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles; a luz lhes vem de um fogo aceso sobre uma eminência, ao longe atrás deles; entre os prisioneiros e o fogo, passa um caminho elevado; imagina que, ao longo deste caminho, ergue-se um pequeno muro, semelhante aos tabiques que os exibidores de fantoches erigem à frente deles e por cima dos quais exibem suas maravilhas.

- Vejo isso.

- Considera agora o que lhes sobrevirá naturalmente se forem libertos das cadeias e curados da ignorância. Que se separe um desses prisioneiros, que o forcem a levantar-se imediatamente, a volver o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos à luz: ao efetuar todos esses movimentos, sofrerá, e o ofuscamento o impedirá de distinguir os objetos cuja sombra enxergava, há pouco. O que achas, pois, que ele responderá se alguém lhe vier dizer que tudo quanto vira até então eram apenas vãos fantasmas, mas que presentemente, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê de maneira mais justa? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas passantes, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é isso? Não crês que ficará embaraçado e que as sombras que via há pouco lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que ora lhe são mostrados?

- Muito mais verdadeiras.

- Necessitará, penso, de hábito para ver os objetos da região superior. Primeiro distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as imagens dos homens e dos outros objetos refletidos na água, a seguir, os próprios objetos. Após isso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente durante a noite os corpos celestes e o céu mesmo, do que durante o dia o Sol e sua luz.

- Sem dúvida.

- Por fim, imagino, há de ser o Sol, não suas vãs imagens refletidas nas águas ou em qualquer outro local, mas o próprio Sol em seu verdadeiro lugar, que ele poderá ver e contemplar tal como é.

- Necessariamente.

- Depois disso, há de concluir, a respeito do Sol, que é este que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é causa de tudo quanto ele via, com os seus companheiros, na caverna.

- Evidentemente, chegará a esta conclusão.

- E se eles então se concedessem entre si honras e louvores, se outorgassem recompensas àquele que captasse com olhar mais vivo a passagem das sombras, que se recordasse melhor das que costumavam vir em primeiro lugar ou em último, ou caminhar juntas, e que, por isso, entre os prisioneiros, fossem honrados e poderosos? Ou então, como herói de Homero, não preferirá mil vezes ser apenas um servente de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às suas antigas ilusões e viver como vivia?

- Sou de tua opinião; ele preferirá sofrer tudo a viver desta maneira.

- Imagina ainda que este homem torne a descer à caverna e vá sentar-se em seu antigo lugar: não terá ele os olhos cegados pelas trevas, ao vir subitamente do pleno Sol?

- E se, para julgar estas sombras, tiver de entrar de novo em competição com os cativos que não abandonaram as correntes, no momento em que ainda está com a vista confusa e antes que seus olhos se tenham reacostumado, não provocará riso à própria custa e não dirão eles que, tendo ido para cima, voltou com a vista arruinada, de sorte que não vale mesmo a pena tentar subir até lá? E alguém tentar soltá-los e conduzi-los ao alto, e conseguissem eles pegá-lo e matá-lo, não o matarão?

- Sem dúvida alguma, eles o matariam.

*diálogo entre Sócrates e Glauco, retirado [com cortes] de A Alegoria da Caverna (A República; Platão).

10.10.09

olhos serenos

ao vento me soa
sua voz rouca
- uma onda
que encanta
        engana:
      
                    - me perdoa?
                     minha força
                     é [pra nós]
                    ainda pouca.

e a garoa 
no rosto
da garota
- o gosto

da gota
e da outra
que voa
do olho

num so-lu-ço ressoa.

[aqui, 
onde (h)a dor 

e c o a

de mim
o amor
destoa]

5.10.09

(im)parcialidade

Jornalismo costuma ser sinônimo de informação sem opinião: a apresentação "pura" dos fatos. E o jornalista, aquele que ouve e mostra todos os lados de uma questão. Oh, os jornalistas são quase deuses, ninguém os questiona! Se o jornalista falou - principalmente se for um Bonner da vida -, é porque é aquilo e ponto. Acho que os "meus leitores" não são desses [melhor se não forem, pois então poderão compreender melhor meu desabafo], mas vale lembrar que é esse o jornalismo mais presente no nosso dia-a-dia, que penetra em nossa formação quase por osmose.

Na academia, o que nos ensinam é bloquear palavras que indiquem qualquer sinal de opinião sobre seu texto. Adjetivos são proibidos para não agregar qualquer juízo de valor ao que é citado. Aí inclui-se, por exemplo, nunca colocar um político como mentiroso, corrupto, filho da puta e tudo mais aquilo que a gente tem vontade de dizer e que é até senso comum. Mas não, não podemos. Isso seria uma atitude vergonhosa e até motivo para uma demissão. A indignação transposta em exclamações e outros artifícios literários também já foram extintos para o bem da "imparcialidade". Dizem os professores que um bom jornalista apenas apresenta os fatos e o leitor/ouvinte/telespectador forma sua própria opinião a partir da "verdade".

Cortamos tudo aquilo que pode lembrar que tal informação está sendo produzida por alguém (que tem opinião). Não dizemos que somos contra uma greve ou um protesto. Simplesmente não noticiamos sobre isso, a não ser que esteja atrapalhando o trânsito ou o recebimento das suas correspondências, os pagamentos de suas contas. De forma nenhuma defendemos qualquer partido. Aliás, somos apartidários. Apenas editamos muito bem os depoimentos de candidatos, às vezes damos maior ou menor espaço a eles etc. Ao final, produzimos matérias sem qualquer vestígio de nós mesmos. Somos robôs fabricando a "informação" que só é capaz de manter nossas bundas bem acomodadas no sofá da alienação.

INFORMAÇÃO QUE MANTÉM AS COISAS COMO ESTÃO, QUE CONSERVA TUDO E TODOS EM SEUS DEVIDOS LUGARES. É O JORNALISMO CONSERVADOR. QUE ALIMENTA (ainda mais) A APATIA SOCIAL.

Apenas falamos o que está acontecendo, o que achamos que está acontecendo. E o pior: quando queremos ir além, somos impedidos por editores que devem favores a esse ou aquele, que defendem uma "linha editorial" específica ou que tenham qualquer outra desculpa pra impedir uma abordagem à nossa maneira, uma abordagem mais real do que enxergamos dos fatos.

Chega uma hora em que nem lembramos que temos (ou tínhamos) qualquer posicionamento. Escrever um texto opiniativo? É tarefa difícil até. Nos esvaziamos tanto de nossa opinião que até esquecemos que um dia ela existiu. Ficamos em cima do muro o tempo todo, afinal sempre há os dois lados, não?! Temos que ouvir o empresário que demitiu milhares de trabalhadores, ele com certeza tem algum motivo plausível pra isso. Temos que ouvir o que o presidente da república tem a dizer, afinal ele também tem a versão dele sobre o mensalão, os cartões corporativos e o raio que o parta! Coitado, não podemos julgá-lo. Seria uma acusação muito grave. [grave não é roubar dinheiro público, grave seria manchetar "Ladrões do povo estão impunes!" ou "Lula apoia roubalheira no senado!", por exemplo, seria um pecado, uma ofensa ao bom jornalismo!]

Me vem ao raciocínio uma contradição quase cômica. Lembro de uma definição para o jornalismo... de que ele deve falar pelo povo, que deve pensar pelo interesse público. "Ao fazer uma entrevista, pergunte em nome de seu leitor (supostamente o povo)", me recomendaram algum dia. Será que essas pessoas que nós "representamos" não têm opinião?

A informação pra mim tem que ter algum sentido. Escolhi jornalismo pra informar. Pra mudar. OK, diga. Ande! Diga-me que isso não passa de romantismo (utópico) da profissão! Direi que o jornalismo precisa ter algum sentido sim, que NÃO sou imparcial. Porque escolho um lado que julgo correto e o defendo até o fim. Bom, ao menos eu deixo bem declarado de que lado estou. Infelizmente, a contradição está em mim mesma, pois diariamente escrevo o que me mandam, não posso pôr em prática metade do que disse aqui até agora. Um sofrimento diário. E você... [também] anda enganando seus leitores?

(...)

Fiquei pensando nisso ao produzir uma reportagem sobre os trens da CPTM. Vou deixá-la aqui. A quem interessar, é uma das minhas raras tentativas (TEN-TA-TI-VA, pq, afinal, ainda me apego muito à imprensa aburguesada) de fazer um jornalismo mais próximo do que eu acredito, que tem algum sentido de mudança.

ps.: texto - Brunna e Murillo Diniz; imagens - Fernando Stankuns.




IMPORTANTE: sintam-se à vontade para fazer as críticas; gosto mesmo de polemizar, despertar o debate. vocês já devem saber disso... rs

2.10.09

pós-cidade

o cenário é de um amontoado de casas e prédios destruídos. 
ruínas por toda parte em meio ao mau gosto de viadutos, arranha-céus e mansões-muros.
os seres (mortos-)vivos combinam com as construções. 
são pessoas e animais jogados, vidas destruídas. 
pés sujos em contraste com saltos finíssimos. 
há trapos tão próximos ao brilho das vitrines que a riqueza parece até alcançável.
o luxo vivendo num grande lixo é o luxo produzindo lixo luxo-lixo em putrefação o luxo sujo e fétido é o lixo do mundo!
na cidade, é insuportável ter olhos. é preciso se anestesiar em distrações.
que venha a ridicularidade da tv com seus reality shows! encham meus ouvidos de produtos (anti)musicais! entupam minha mente de notícias parciais!
oh! mas não se esqueça, excelentíssima senhora burguesia,
de ocupar meu tempo com um trabalho digno e boas festas! de cobrir meus olhos com suas promessas tão belas! e iludir meu intelecto com suas teorias velhas!
(...)
para fugir da bela feiúra metropolitana, os olhares mais sensíveis se fecham em si mesmos. escondem sua revolta em subjetividade, no que há de mais profundo no ser. se culpam.
é a humanidade em estado de profunda depressão.
se entrega, se rende ao fim dela mesma, sem perceber que está doente.
quando nao se consegue ver possibilidade de mudança, ter esperança.
quando não se acredita em nada nem ninguém, nem em si mesmo.
quando parece que nada pode te salvar de praticar uma loucura.
é a doença do pós-modernismo.
quando só o melhor amigo, seu anjo, pode te lembrar que a vida ainda é possível.
amigo que ansiosamente te aguarda para te apresentar a feliz-cidade.
guarda para ti a felicidade. o moderno te aguarda - a vanguarda.
para a vida, um presente futurista:
Sim, se você trocasse a boêmia pela classe; A classe agiria em você, e Ihe daria um norte. E a classe por acaso mata a sede com xarope? Ela sabe beber - nada tem de abstêmia. Talvez, se houvesse tinta no "Inglaterra"; você não cortaria os pulsos. Os plagiários felizes pedem: bis! Já todo um pelotão em auto-execução. Para que aumentar o rol de suicidas? Antes aumentar a produção de tinta! Agora para sempre tua boca está cerrada. Difícil e inútil excogitar enigmas. O povo, o inventa-línguas, perdeu o canoro contramestre de noitadas. E levam versos velhos ao velório, sucata de extintas exéquias. Rimas gastas empalam os despojos, - é assim que se honra um poeta? -Não te ergueram ainda um monumento - onde o som do bronze ou o grave granito? - E já vão empilhando no jazigo dedicatórias e ex-votos: excremento. Teu nome escorrido no muco, teus versos, Sóbinov os babuja, voz quérula sob bétulas murchas - "Nem palavra, amigo, nem so-o-luço". Ah, que eu saberia dar um fim a esse Leonid Loengrim! Saltaria - escândalo estridente: - Chega de tremores de voz! Assobios nos ouvidos dessa gente, ao diabo com suas mães e avós! Para que toda essa corja explodisse inflando os escuros redingotes, e Kógan atropelado fugisse, espetando os transeuntes nos bigodes. Por enquanto há escória de sobra. 0 tempo é escasso - mãos à obra. Primeiro é preciso transformar a vida, para cantá-la - em seguida. Os tempos estão duros para o artista: Mas, dizei-me, anêmicos e anões, os grandes, onde, em que ocasião, escolheram uma estrada batida? General da força humana - Verbo - marche! Que o tempo cuspa balas para trás, e o vento no passado só desfaça um maço de cabelos. Para o júbilo o planeta está imaturo. É preciso arrancar alegria ao futuro. Nesta vida morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu ofício.*
*trecho do poema "A Sierguéi Iessiênin", de Vladimir Maiakóvski.