26.12.11

cheiro, som e cenas de uma leitura apaixonada

O jeito de falar que lhe faltara desde a partida agora a quilômetros distantes ecoava através das linhas de um relato de viagem. A última semana fora marcada pela ausência daquele que se expressava numa entonação tão atraente, que, inconsciente, a seduzia com palavras desesperadas. Redigidas e declamadas ansiosas por compreensão, movidas à paixão pela arte de literar vida. As mesmas e outras que num novo texto hipnotizavam-na, mais uma vez.

Ela lia como se o ouvido estivesse colado à voz narrativa. Deliciava-se no estilo que empolgara seu paladar sedento por lirismo. Sentia expandir o coração, pressionar, sutil, a alma pra fora. Emoção feito corrente d'água forte lavando tudo em queda livre pra baixo do horizonte. Era um deslumbre exagerado? Não discernia as causas tão bem-vindas da boa sensação.

Os olhos apenas reviviam, a cada sílaba forte, o encanto e a surpresa que lhe tomaram a alma e a aura, certo dia, no repente de um único segundo! No stop da rotina, quando teve diante dos olhos a primeira visão em carne e osso e voz. Linguagem e ideias faladas que lhe atraíram em meio à infinidade de vozes à sua volta. Queria poder explicar por que não pôde controlar. Um novo desejo impetuoso nos sentidos todos, de uma vez tomados ao primeiro encontro. E ao segundo, ao terceiro, e agora. De dentro da vida para uma nova breve eternidade.

O ecstasy da existência, espontâneo e livre, de volta entre suavidade e sedução pontiaguda, pela carne, rebentando prazer por todo o corpo. Sentir-se viva era importante. As memórias do simples tão difícil e raro e do acaso, aguçadas pelo teagacê nos caminhos (des)encontrados da sua razão.

Suspirava e suspirava num abraço apertado com o seu vigésimo terceiro verão. Chegara o tempo de calor, era festa sem fim no encerramento deste mais recente calendário. Ela redescobrira sabores (des)encantados! Ela se apaixonara.

Quis estar perto para contar na troca de um olhar: admiração que ocupava ocupava ocupava ocupava... Quis ver seus gestos. Imaginou ler seus lábios. Sentiu saudade do seu cheiro.

5.12.11

os olhos borrados no espelho

um incômodo a perseguia nos últimos dias,
setevintequatrohoras que afastavam o futuro
do seu passado. novos-velhos períodos entrelaçados,
impregnados de um cheiro forte, essência permanente,
que repudiava o olfato e os olhos da vida,
desviava os bons ventos da paz.
- estou inteira, mas as veias param quando o tempo
esfria. o verão só ameaça, e não chega. uma vida-inverno
que sobrevive, sem brisa e sem sol quente. estava ansiosa,
pensava no que lhe trouxera de volta o acaso provocado,
força latente, dor prevista sob as glândulas latejantes,
impulsos que agora produziam tristeza concreta. dor.
força ao contrário. travestida de paixão viva. questionava
certezas construídas, e o que fizera dos últimos meses sendo
feliz, e o que adorava ser e não ser. ela queria não ter
razões opostas, os conflitos não conseguiram mudar
qualquer coisa de lugar entre os dois. cansaço e preguiça
de sentir ódio. lançava-se mais uma vez às profundezas
de um quebra-cabeça colorido, lúdico, confuso.
mal voltara àquele pequeno in cômodo e não via mais
a porta pela qual um dia saíra, e agora retornava, fechada,
apagadas as luzes ao dar de costas, encontrara apenas
um feixe refletido em meio à escuridão do banheiro
escondido, deparou-se com uma perfuração sinistra
- uma gota de sangue endurecido algumas bocas abaixo
da orelha. e as olheiras feitas de uma madrugada,
bem-arrumada - e derramada. era a perda de água e de sangue
e de amor sugados, roubados enquanto dormia. já era dia
quando ela percebeu o vento passado que levara
o pouco que havia.

é como a pluma
que o vento vai levando pelo ar
voa tão leve
mas tem a vida breve
precisa que haja vento sem parar

1.12.11

recusa ao paraíso

arrependeu-se
aos primeiros passos
diante do quarto
covarde

a amargura
em seu espaço
cercado de realidade
subjetiva

lembrou-se
por que saíra
decidida
- não voltar antes de 30 de novembro

mas ali estava
a decisão ficara
em algum banco do metrô

na ida ou na volta

olhava para o silêncio
em busca do tempo

a bagunça
vazia
a janela aberta
gelava
coisas sem caminho

(in)determinadas
pela fraqueza
da madrugada
- renunciada

perguntou-se

eram as lembranças
daqueles lençóis
de dias desarrumados

era a falta do velho
presente

ou era

a saudade do novo
pressuposto

- paraíso em horas contadas