19.10.11

veraneio

Tive uma inspiração sincera. Como se
estivesse com um ar mais limpo
atravessando os poros da pele, os caminhos do corpo
tomados de oxigênio puro. Eu vivo por um minuto
uma lágrima de alívio, de sentir se libertar
de braços abertos, como se voasse parada
na ponta da pedra. Vontade de fechar os olhos
pra ouvir cair o ritmo do fim do mundo real, sumir
o cinza recoberto, chegar aonde não existe e faz mais sentido.
Não sei se foram os olhos ou se foi a vida que tem
dentro deles. Um ponto da minha memória
onde ficou uma luz clara e colorida foi amarrado
por um sorriso que eu ainda nem descobri por que
se esconde quase o tempo todo. E me faz lembrar
de arrepios um pouco menos frios e vazios que
até ali eram tudo que completavam as perguntas
e os dias. Parecem novas as palavras
e todo o resto que agora enxergo e sinto
com coração e olhos paralisados. Faz tanto tempo que
a gente podia ter se conhecido entre os livros
ou nas ideias soltas no fim de uma página ou outra
desta natureza invisível em que escrevo, pensando
em linhas espremidas porque não cabem o seu nome
e o meu juntos por acaso ou por uma ligação provável
entre um conhecido jornalista ou qualquer impostor
que fosse, que falássemos mal em complô ou só
pra escolher uma opinião comum. Temos duas ou três
horas de vida e alguma coisa enroscada numa semana fria
e cansada da primavera. O cheiro da próxima estação,
de longe, eu não me lembro, mas senti quando chegou
num susto gostoso de parar o coração e voltar
a fazer sonhos secretos em bilhetes amassados
numa caixa guardada ou dissolvidos, molhados
de saliva. O que eu imagino não alcança a distância
entre um desejo afastado do outro que eu nem sei
se quer acontecer ou se vai trazer
qualquer dor a mais sem que se explique antes
a que veio e o que traz sob o grave da voz e dos planos
que preenchem e esvaziam dois copos.

18.10.11

sem destinatários

Eu agora peguei essa mania idiota de escrever como se tudo fosse uma carta pra um destinatário fantasma. A página do Word não funciona mais, não entendo. O bloco de notas nem pras minhas poesias mais sem vergonha serve. Blogspot tem sido um fiasco, com mil rascunhos descartados. Voltei à escrever à mão. Inspirou meia dúzia de textos péssimos. Eram muito de mim, além do que fosse interessante mostrar. Mas, troquei de bolsa e o bloquinho de notas ficou esquecido, então comecei a me desesperar quando vi que meus pensamentos estavam indo pra lugar nenhum. Transcrever-me é uma maneira de manter alguma lucidez. Ou só mesmo uma maneira sem graça de existir no mundo. Sem sucesso. Tenho me esforçado também pra tentar existir de fato, existir nas pessoas, nas coisas que eu faço. Sem sucesso. Tenho a sensação de que regredi dez anos. Eu me calo e fico num monólogo interno enquanto as pessoas trocam milhares de ideias diante de mim. Eu não consigo trocar nada com ninguém. Tranquei as portas e, em mais um dos meus impulsos escrotos, engoli a chave. Agora me ponho a digitar intimidades em corpo de email, para ninguém, sem cópia pra alguém, sem cópias ocultas, sem assunto, sem anexos. Cada dia piora e já sinto que não consigo nem me comunicar comigo mesma. Os textos só acontecem nessa tática falsa de amigo imaginário. E, a cada dia mais doído, o texto só sai se eu romper as barragens da água salgada do que eu ainda insisto em chamar de alma. Na verdade, estou um amontoado de dias e noites sem graça e sem sentido. Estou só pra mim e quase mais nem isso. Estou inteira em pontos que se abrem - e sangram - todos os dias. Não me refiz, não me refaço.

11.10.11

lua cheia

acho que os meus olhos vão adoecer
inquietos, abro e fecho.
perturbo as veias,
que não me deixam,
que não me querem.

faz tempo que o sono não apaga as minhas ideias
inquietas, digo e calo.
acordo no melhor de todos os sonhos,
que não me querem.

os cristais quando escorrem pelo rosto cortam,
pêlo, rosto - não desfaz alguns nós
inextricáveis, vou e volto.

embaralho a simplicidade das minhas palavras,
frases mal acabadas, as fases mal acabadas, 

que não me deixam!