27.3.12

coração pós-guerra

Se da memória de toda a minha vida fosse feito um gráfico, imagino que pelo menos mais da metade da pizza-estatística fosse preenchida por aquele rosa escuro avermelhado, cor dos 1.765.986.487.099.564 pensamentos que já tive referentes ao amor. Assunto batido, chorado aqui e ali, mas principalmente calado, em status invisível, ou melhor, incompreensível.

À idade do primeiro, não há sequer corpo suficiente para a prática do verbo, quem dirá consciência pra tamanho objeto de estudo. Não que um dia, já adulto, algum ser humano chegue a ter. Ao contrário: com o passar dos anos, a saúde vai ficando fraca e, por isso, enquanto houver racionalidade, protege-se na mesma proporção do envelhecimento. Dizem que sabedoria é dom que só se adquire com a experiência.

Mas, lá atrás, ainda nas sensações originárias daquilo que nunca vai ganhar forma ou definição, a primeira impressão parece até óbvia, simples. Somos condicionados a deseja-lo a partir do símbolo mais infantil e, aparentemente, ingênuo deste sentimento perverso: a flecha de um suposto anjo. E, como será por toda a nossa mortal existência, vamos ver apenas o que queremos, então, quando menos esperarmos, a contradição de um céu de anjinhos maus vai se mostrar no destino pontiagudo dos amantes, vítimas de uma arma tão primitiva, e fatal.

É preciso nome, adjetivo e explicação pra tudo. E tudo que não tem explicação cai – ou sobe – ao âmbito celestial. Eros, o cupido, é mais um mito, mentira que virou verdade através de uma narrativa conveniente, que pegou. Assim, amor foi se tornando apenas questão de fé, portanto, de dúvida. Escolhe-se uma versão correta pra estórias que você quer viver. Filho de Zeus ou Caos? Verdadeiro ou sofista? Sem medo de ir pro inferno, eu mandaria à merda agora todas as divindades gregas e brasileiras e africanas, não fosse a minha admiração pela genialidade do Homem, este sim Criador.

Aliás, eu mesma poderia inventar uma, teorizar aqui neste blog, dizer que o amor é mais uma coisa de um mundo completamente coisificado. Mais uma compreensão equivocada do nosso tempo, como é a política – mistificada. Mais uma matéria-prima (com vida) transformada em produto descartável, como é a natureza – usurpada e destruída.

As bibliotecas estão cheias de livros sobre o amor, as pessoas cheias de. Eu cheguei perto, mas nunca consegui ser hippie por motivos que só nesta reflexão pude ter clareza. Em abstração confessa, resumo que o seu famoso lema é dos mais perfeitos paradoxos. Paz é versus amor! E isso vai fazer sentido em algum dia da sua vida. No meu caso, foi ontem, quando a sonoridade das palavras jogou luz sobre todas as interpretações anteriores.

Guerra hoje faz mais sentido, pela ausência de paz que foi, pela frieza que está, pelo amor vi(´)vido. O coração foi devastado como cidade em pó, em cinzas do que foi concreto – frágil ao explosivo alheio. Sobrou o nada pra reconstruir muros de uma infraestrutura à toda sociedade que sou.

Depois de mortos batalhões inteiros da força a(r)mada, há chance para a esperança de uma nova vida, mutilada ou mesmo apenas entristecida pelo sofrimento? Depois de tantas baixas no front, o que pode esperar um soldado, senão a morte a cada novo disparo? Mesmo a paz, um dia alcançada, parece ser insuficiente, sem graça, sem paz.

Amar é avançar em território inimigo, e não há outra maneira de fazer isso senão bombardeando e fincando bandeira. É a contagem constante de mortos e feridos, sangue derramado nos dois lados, inocentes espalhados pelo chão. Às vitórias-alegrias, chega-se com e sem escrúpulos, ficam rastros de ódio em nome do amor à pátria de um determinado coração, que é do mundo. E, quando se está encurralado, assinam-se acordos sujos e pretensiosos a fim de não perder espaço já ocupado. Mesmo a aliança mais cara pode ser desfeita a qualquer intervenção externa que interesse mais a uma ou outra parte. Pactos são feitos e rompidos.

Em combate, os homens ultrapassam limites. Sentem prazer, medo e coragem num pulsar incomparável a qualquer outra sensação humana. Amantes – marcham movidos à paixão. De corpo e alma se entregam à guerra, com armas em punho.

8.3.12

natureza do homem


enquanto todos dormem
me banho
cuido, observo
no espelho, admiro a luz sobre as linhas
curvas, caminhos
acaricio o que é bonito
respondo o que só
eu ouço
vontades que trocam
gestos
com saliva
procuro prazer
na ponta dos dedos
encontro o fazer
em jeito, em toque
experimento
o que é meu
e o que é o outro
em rostos que cruzam
em pêlos distintos
imagino o suor
sussurros
que eu nunca ouvi
quem apenas cruzou os olhos
com os meus
fantasio
o início de um, o meio de mim, o fim de outro
os cheiros, os braços
o sexo em todas as formas
masculinas
femininas
em todos os meus contornos
alcanço(-me)
liberdade
à inconsciência do corpo
o instinto
que molha as próprias mãos
quando imagina
hálitos secretos
paixões impossíveis
insolúveis
uma pessoa
entre quatro paredes
pensamentos sem pudor
natureza do homem
e da mulher