28.10.12

lá vão eles maquiar a cidade de rosa



lá vai o jovem
                         morto
de fome
                [de arte]
                se lambuzar 
num grão 
                 de farinha
engolir 
cultura-edital.

lá vai o jovem
                         paulistano
a-partidário
                     eleger
amor 
para o próximo
                           mensalão-carnaval.

lá vai o jovem
                         estudante
de esquerda   
                        [de sonhos]
                         voar
sobre tapetes
                         vermelhos
da reforma-ilusão
o autoritarismo irromper.

lá vai o jovem
                         que não.         
                      
lá se vão jovens.

23.7.12

a vida num presente

eu estava no ônibus, voltando do trabalho a caminho de casa. olhei rapidamente pra baixo, como - desde então - passei a fazer, pra checar onde exatamente estavam os pés, o que havia em volta deles que pudesse machucar ou proteger num eventual acidente ou sei lá. entre os meus pés, o presente. peguei o cartão de novo pra ler direito, porque sequer tinha dado a devida atenção pra ele. foi aí que, por debaixo da lente do óculos escuro, escaparam duas lágrimas. dessas que vêm grossas e pesam no colo.
já havia passado umas três ou quatro horas do momento em que o pessoal me surpreendeu com um parabéns e em seguida uma sacola onde havia um embrulho preto e branco, em formato de caixa de sapato. eu achei que podia ser alguma brincadeira, algum sarro pra descontrair um aniversário que eu especialmente comemorava. alguns estavam mais ansiosos do que eu. "arranca tudo logo e abre", aí rasguei o papel e vi a caixa do Vans.

no dia 28 de dezembro eu perdi meu Vans, que era um tênis xodó. não por nada, porque não tinha algo demais nem de menos. era um tênis desses clássicos, qualquer. e era o tênis que meus pés levavam a caminho de um reveillon que não aconteceu.
eu tinha tirado no ônibus pra poder ficar mais à vontade numa viagem de pelo menos oito horas. em algum momento, ele sumiu. deve ter voado pra rodovia ou ficado entre as ferragens, despedaçado. vai saber.
de todas as minhas coisas, perdi o tênis e um livro que tinha acabado de ganhar no amigo secreto.
junto com tênis e livro, foi coisa maior. foi coisa que eu ia viver, plano de um novo ano. foi toda a alegria de quatro amigas, foi uma amiga. foi um pesadelo que aconteceu.

no cartão, contei dezenove nomes. não que a quantidade importe. mas é que achava aquela minha manhã muito grandiosa e de uma forma um tanto inacreditável. eu queria ver de novo, contar, ler, lembrar. é gostoso sentir carinho. e eu ali pela primeira vez contava amigos que somavam mais do que as minhas duas mãos juntas. muitos que convivo há mais de dois anos diariamente. não é pouco - e isso pode ser óbvio pra vocês -, mas sentir na prática, infelizmente, você só sente pra valer quando algo grande acontece, principalmente quando só você não é o bastante pra continuar de pé e aí precisa de apoio. e muito desse apoio são os amigos de longa data, os novos amigos ou os amigos que se tornam pelo simples fato de, num momento importante, surgirem com um abraço ou um voto de alegrias. esse último é o caso de muitos dos nomes que assinaram o cartão que volto a abrir. quero reler porque não posso esquecer. ainda lembro do nome de um socorrista que me acompanhou numa das viagens de ambulância. Belzac. quase exatamente o nome do escritor (nem tinha como esquecer).

quando o momento é intenso, tudo o que acontece nele ganha tal proporção. as pessoas que estão ganham a maior importância. Balzac não é nada perto do Belzac, entende? e assim por diante os nomes vão se fixando na sua memória, as pessoas tomam maior espaço nos seus sentimentos. o carinho vai cabendo num bolo de chocolate, num cartão, num par de tênis. cabe nos abraços mais gostosos do mundo - aqueles em que há alívio de sentir a vida, sentir que o outro está vivo. e a proporção dos atos vai além do que eles se propõem em princípio.

o Vans é meio que isso tudo. foi um presente de corações abertos, um carinho muito grande, um cuidado todo especial com um momento que muitos desses viveram junto comigo de alguma forma. e não acredito que isso seja só por mim, na verdade, mas por eles mesmos também. há algo de bonito que se fortaleceu. eu arrisco, mesmo em dúvida, que há algo da Day nisso tudo ou algo da falta dela. uma compensação que tentamos, um seguir em frente mas ainda lembrar, porque é importante lembrar. nós lembramos comemorando a minha vida.

8.5.12

o beco

Quer voltar uma avenida
Escura e de mão única,
Mas o sentido é contrário.
Alma presa ao impossível,
Impede o primeiro passo.

Precisa falar com estranhos
De um mundo soberbo, surdo,
Inimigos de um complô desfeito.
O parceiro fugiu com os planos,
Deixou todo o resto, o abandono.

Sem apoio, quedas são tragédias,
Que evita, em desespero, se esconde.
Entregue à fraqueza dos pés,
Subestima si mesmo, de tudo desvia
- Dos outros, dos dias de outono.

As coisas concretas não alcança,
As alegrias não consegue viver,
Então sonha, e é o que basta.
Para a vida, qualquer esperança.
Para os olhos, o real de ser.

[Vira à direita, onde a placa indica
"Sem saída", na rua deserta, fica.]

7.5.12

prisão

parece que os pensamentos implodem.
explodem, mas não encontram saída.
o corpo prende tudo o que foi dia, na maioria das vezes, o que foram todos os dias, às vezes todos os dias da vida resolvem se encontrar numa madrugada sem sono, como quando acabei de ver um filme que já havia assistido na faculdade e a faculdade me lembrou as pessoas, das quais não tenho tantas coisas boas pra lembrar, mas tento buscar o equilíbrio e vou ao que me convém, então quando vejo estou pensando no que eu poderia ter feito se fosse quem sou hoje e é aí que começo a refletir sobre quem eu sou, e sinto vergonha, medo, arrependimento e o que é alegria parece sempre estar no passado, que, na verdade, teve pouco de bom também, e, assim como você, me pergunto por que tanta amargura e se não estou sendo injusta com minha própria vida, seja por achá-la muito pior do que ela é, seja por fazê-la realmente pior do que ela poderia ser. ligo a televisão pra despistar minha neurose e alguns clipes me distraem por algum tempo, até que as letras, mesmo as mais idiotas, se transformam em trilha sonora pras histórias que se encontram na minha cabeça, passo a encontrar sentidos em situações do meu convívio, e está aberta a porta para a música dar a interpretação que ela quiser para o que não tem nada a ver com ela e para o que tem. me perguntei se você fugia, se escapava dos meus dias não mais por falta da vigésima quinta hora, mas por vontade própria, e quis saber do futuro pra acalmar o presente, mas me dei conta de que poderia ter o efeito contrário, já que acontecimentos ruins também podem estar por vir, mas gostaria de fazer com que tudo daqui pra frente fosse mais leve, no que dependesse de mim, só que cada gota do céu que cai eu sinto como uma tempestade, que às vezes lava a alma e noutras me aproxima dos ratos e da sujeira, e por isso não dá pra eu decidir numa noite que vou viver numa boa, porque sei que estou muito aquém disso, nem sei se encontrei ainda alguma graça na vida, senão nem estaria dizendo isso agora, apesar de saber que daqui a dez minutos posso voltar atrás e querer apagar, mas, assim como todo o resto das coisas, gosto que fique claro o que é o momento, como cheguei ao que é posterior, ou seja, agora. pelo menos a dúvida me mantém viva, porque se houvesse a certeza, não teria por que ser. quando você perde, você aprende o valor e quando você quase perde ou vê de perto alguém perder, você aprende qualquer coisa também. eu acho que estou mais ou menos nessa condição em relação a estar viva, ao mesmo tempo que nada mudou, de fato. muito está pior, pouco está melhor, como sempre, como quase tudo o que vejo. e o que não vejo não existe, pra mim. o que não vejo? é grande minha agonia em não dominar o saber ou pelo menos dominar o que sei. as coisas fogem de controle, nem sempre estão tão claras, vão e voltam, circulam ao redor dos meus vinte e três anos e já. o tempo passa devagar e ao mesmo tempo rápido demais, e você vê que isso é possível quando o tédio transpassa manhã, tarde, noite e madrugada, chega o dia de novo e você ainda não dormiu. já é outro dia e não teve descanso nem nada útil realizado a não ser muito tempo perdido em viagens insanas e depressivas, e pior, repetidas, as mesmas de todos os outros dias, que se desviou pra um lado mais amor ontem, mais família hoje, mais trabalho ou mais qualquer coisa imaginável pra um ser humano. o passar das horas, o passar do frio, põe coberta, descobre, tira a calça, põe de novo pra ir até a cozinha, não encontra o que deseja comer, volta com fome, vai ao banheiro e encontra o espelho, que é o objeto mais assustador que já foi inventado. é a verdade. invertida, mas é a verdade. as olheiras só constatam o desespero pelo sono, que se afasta a cada novo raciocínio múltiplo. múltiplo porque a cada um deles se agrupam dez, vinte, cem novos outros, uma corrente a qual estou presa.

27.3.12

coração pós-guerra

Se da memória de toda a minha vida fosse feito um gráfico, imagino que pelo menos mais da metade da pizza-estatística fosse preenchida por aquele rosa escuro avermelhado, cor dos 1.765.986.487.099.564 pensamentos que já tive referentes ao amor. Assunto batido, chorado aqui e ali, mas principalmente calado, em status invisível, ou melhor, incompreensível.

À idade do primeiro, não há sequer corpo suficiente para a prática do verbo, quem dirá consciência pra tamanho objeto de estudo. Não que um dia, já adulto, algum ser humano chegue a ter. Ao contrário: com o passar dos anos, a saúde vai ficando fraca e, por isso, enquanto houver racionalidade, protege-se na mesma proporção do envelhecimento. Dizem que sabedoria é dom que só se adquire com a experiência.

Mas, lá atrás, ainda nas sensações originárias daquilo que nunca vai ganhar forma ou definição, a primeira impressão parece até óbvia, simples. Somos condicionados a deseja-lo a partir do símbolo mais infantil e, aparentemente, ingênuo deste sentimento perverso: a flecha de um suposto anjo. E, como será por toda a nossa mortal existência, vamos ver apenas o que queremos, então, quando menos esperarmos, a contradição de um céu de anjinhos maus vai se mostrar no destino pontiagudo dos amantes, vítimas de uma arma tão primitiva, e fatal.

É preciso nome, adjetivo e explicação pra tudo. E tudo que não tem explicação cai – ou sobe – ao âmbito celestial. Eros, o cupido, é mais um mito, mentira que virou verdade através de uma narrativa conveniente, que pegou. Assim, amor foi se tornando apenas questão de fé, portanto, de dúvida. Escolhe-se uma versão correta pra estórias que você quer viver. Filho de Zeus ou Caos? Verdadeiro ou sofista? Sem medo de ir pro inferno, eu mandaria à merda agora todas as divindades gregas e brasileiras e africanas, não fosse a minha admiração pela genialidade do Homem, este sim Criador.

Aliás, eu mesma poderia inventar uma, teorizar aqui neste blog, dizer que o amor é mais uma coisa de um mundo completamente coisificado. Mais uma compreensão equivocada do nosso tempo, como é a política – mistificada. Mais uma matéria-prima (com vida) transformada em produto descartável, como é a natureza – usurpada e destruída.

As bibliotecas estão cheias de livros sobre o amor, as pessoas cheias de. Eu cheguei perto, mas nunca consegui ser hippie por motivos que só nesta reflexão pude ter clareza. Em abstração confessa, resumo que o seu famoso lema é dos mais perfeitos paradoxos. Paz é versus amor! E isso vai fazer sentido em algum dia da sua vida. No meu caso, foi ontem, quando a sonoridade das palavras jogou luz sobre todas as interpretações anteriores.

Guerra hoje faz mais sentido, pela ausência de paz que foi, pela frieza que está, pelo amor vi(´)vido. O coração foi devastado como cidade em pó, em cinzas do que foi concreto – frágil ao explosivo alheio. Sobrou o nada pra reconstruir muros de uma infraestrutura à toda sociedade que sou.

Depois de mortos batalhões inteiros da força a(r)mada, há chance para a esperança de uma nova vida, mutilada ou mesmo apenas entristecida pelo sofrimento? Depois de tantas baixas no front, o que pode esperar um soldado, senão a morte a cada novo disparo? Mesmo a paz, um dia alcançada, parece ser insuficiente, sem graça, sem paz.

Amar é avançar em território inimigo, e não há outra maneira de fazer isso senão bombardeando e fincando bandeira. É a contagem constante de mortos e feridos, sangue derramado nos dois lados, inocentes espalhados pelo chão. Às vitórias-alegrias, chega-se com e sem escrúpulos, ficam rastros de ódio em nome do amor à pátria de um determinado coração, que é do mundo. E, quando se está encurralado, assinam-se acordos sujos e pretensiosos a fim de não perder espaço já ocupado. Mesmo a aliança mais cara pode ser desfeita a qualquer intervenção externa que interesse mais a uma ou outra parte. Pactos são feitos e rompidos.

Em combate, os homens ultrapassam limites. Sentem prazer, medo e coragem num pulsar incomparável a qualquer outra sensação humana. Amantes – marcham movidos à paixão. De corpo e alma se entregam à guerra, com armas em punho.

8.3.12

natureza do homem


enquanto todos dormem
me banho
cuido, observo
no espelho, admiro a luz sobre as linhas
curvas, caminhos
acaricio o que é bonito
respondo o que só
eu ouço
vontades que trocam
gestos
com saliva
procuro prazer
na ponta dos dedos
encontro o fazer
em jeito, em toque
experimento
o que é meu
e o que é o outro
em rostos que cruzam
em pêlos distintos
imagino o suor
sussurros
que eu nunca ouvi
quem apenas cruzou os olhos
com os meus
fantasio
o início de um, o meio de mim, o fim de outro
os cheiros, os braços
o sexo em todas as formas
masculinas
femininas
em todos os meus contornos
alcanço(-me)
liberdade
à inconsciência do corpo
o instinto
que molha as próprias mãos
quando imagina
hálitos secretos
paixões impossíveis
insolúveis
uma pessoa
entre quatro paredes
pensamentos sem pudor
natureza do homem
e da mulher

25.2.12

she's lost control

Pela primeira vez, conversávamos cara a cara:
- Você fala de uma maneira tão segura das coisas. Não esperava.
- Eu pareço insegura?
- Não, não sei... Na verdade, é que naquela primeira vez que eu te vi, o que eu pensei foi em melancolia. Você tinha muito um ar melancólico...
Pegou as minhas mãos como se nelas estivessem meu passado, presente e futuro. E parecia realmente desvendá-los enquanto as tinha. Queria saber de mim. Acariciou como se ali sempre o fizesse.

Protege-se tanto o ser do mundo, que ele mal o é. Protege-se tanto que qualquer dizer que te exponha, te faz frágil, te assusta.

Pela milésima vez repetia, à distância acomodada de um e-mail:
- Você cria realidades na sua cabeça. Você é insana. Está doente e maluca.
- Mas me fala o que disso tudo foi inventado por mim?
Nunca terei mais qualquer resposta. E senti alívio por não mais ouvir ou ler tudo o que um dia apagou meu último traço de sanidade.

Protege-se tanto o ser do mundo, que ele mal o é. Protege-se tanto que qualquer dizer que te exponha, te faz frágil, te assusta.

Pela primeira vez, falava o que eu lhe parecia, numa das dezenas ou centenas de bate-papos.
- Você é bem resolvida, ou pelo menos sempre foi assim comigo.
- Ah, com você acho que eu sou. Desejei acreditar nas palavras que são tão verdadeiras quanto mentirosas.Protege-se tanto o ser do mundo, que ele mal o é. Protege-se tanto que qualquer dizer que te exponha, te faz frágil, te assusta.

Pela décima vez, acolhia e aconselhava os prantos:
- Você é muito sincera. A gente não pode ser assim, tanto assim. Tem que mentir às vezes também.
- Mas não é pelos outros. É por mim.
- Sim, eu entendo, mas precisa se preservar um pouco, pras pessoas não terem essa capacidade de fazer essas coisas com a gente. As pessoas não tem que saber tudo o que você sente realmente.
Tomo o que me colocam à frente.
- Ela precisa é de uma cachaça. Põe aí uma dose pra ela.
Mas nem dez litros de qualquer coisa empurram um remédio que não se quer engolir. Afoga-se o que dá pra se afogar numa velha mesa amiga.

Protege-se tanto o ser do mundo, que ele mal o é. Protege-se tanto que qualquer dizer que te exponha, te faz frágil, te assusta.

Pela centésima vez, dava um parecer logo após conhecer:
- Não há o que tratar. É preciso diferenciar o que é uma tristeza do que é uma depressão...
Já havia falado muito. Senti novamente um alívio. Ao mesmo tempo, surpresa. Preferia que fosse uma doença? E que fosse mortal, enfim? Talvez... Algo menos torturante que uma tristeza. Mas ele, o especialista, entende que eu só quero dormir, só dormir, dormir e sonhar e sonhar e sonhar.

Um, dois, três - Rivotril - e já.

I could live a little better with the myths and the lies
When the darkness broke in, I just broke down and cried
I could live a little in a wider line 
When the change is gone, 
when the urge is gone to lose control 
when here we come

19.2.12

sob os carros alegóricos

diante
            dos estudantes,
                                      desfilam
                                                     armas e bombas
entre
          confetes-estilhaços
                                          e algemas-serpentinas,
                                                                                o terror-folia
arranca gritos
                        em desespero:
                                                COVARDES! FILHOS DA PUTA!
à assistência
                      social
                                 [política
                                                - policial,
o abre-alas
                  do bloco
                                 da repressão,                                                               
que foi
             marchinha
                                antes
                                          do carnaval:
ABAIXO
                 CONVÊNIO
                                       PM-USP!
                                                        contra reitor,
governador,
                    e estudante
                                        traidor!
um movimento
                          de milhares
                                              que apontou
                                                                   o novo, 
                                                                                o sentido
                                                                                                 às direções:
à esquerda,
                    à juventude,
                                         vamos,
                                                       revolucionários, 
                                                                                   cobrir os rostos!
vamos!
             ser presos!
                               julgados!                      
                                                torturados!
                                                                   vamos ser!
                                                                                      perigosamente jovens!
os mesmos
                    radicais
                                  que ocuparam,
                                                           retomaram
a vida
           em edifícios
                                de universidade.


paga-se
              dois mil
                            a doze
                                        cruspianos
                                                           que festejam
                                                                                 em luta
no camarote-camburão.
                                       paga-se
                                                     quarenta mil
pela liberdade
                        dos 73 da usp,
                                                 ditos marginais, 
                                                                           
com livros
                  e cartazes.
                                    e  paga-se
qualquer coisa,
                         dizem
                                    as más
                                                línguas de rodas,
                                                                            para calar
o coro
            dos descontentes
                                         e os ecos
                                                         do seu passado 
                                                                                   militar.
enquanto
                 a notícia
                                se espreme
nas redes
                entre ganchos
                                       midiáticos,
as fardas
                se disfarçam
                                     nas fantasias
                                                           sociais
que cobrirão
                      os foliões
                                        da história                                                           
em mais um enredo
                                repetido,
                                               como uma quarta-feira
                                                                                     de cinzas.

14.2.12

vai, vai, vai, vai viver!


com vinícius
dor e tristeza
tornam-se parte
essência do ser
vivo, em busca 
permanente
completando-o
não destruindo
- o amor
como ele é.

11.2.12

a primeira vez que voei

- sabe aquela sensação quando você consegue voar?, eu falava sobre um vôo sem aviões, helicópteros ou qualquer aparelhagem que existisse no mundo dos homens. falava sobre simplesmente conseguir percorrer metros e metros de distância sem os pés no chão. e era algo normal, comum, apenas parte do que eu queria contar de verdade.
- sei, sei..., responderam alguns amigos ansiosos pela grande história.
- pois estávamos nós quatro ali na avenida da orla conversando sobre as coisas que ficavam depois que passávamos por elas. e, por pouquíssimos minutos, a paisagem esteve emoldurada, completamente preenchida por colunas infinitas de losangos. víamos as ondas quebrando através desses losangos, que surgiam e sumiam alternadamente. eram marrons, às vezes mais claros, noutras mais escuros. vazados. acho que colocaram uma transparência desenhada, uma enorme transparência nos primeiros pontos onde batem os raios do sol. combinava com o amarelo alaranjado do dia. ficou incrível, a paisagem redesenhada. era uma intervenção numa escala gigantesca. foi no fim de tarde. vocês não viram?
(...)

uma das coisas boas de ficar acordada até altas horas é dormir até altas também. pular a manhã, que é tão certa de nascer amarga quanto a solidão da noite em claro. não são nem dez e eu já vi que na minha vida nenhuma novidade chegou pra satisfazer o despertar. não pergunte que grande coisa deve se esperar das manhãs, mas por que se espera. os sonhos levam a tantas possibilidades! voltar à realidade tem sido acabar com elas todos os dias. destruir o que se acreditou, aos poucos, em conta-gotas de vintequatrohoras. mesmo nos pesadelos, o ruim, por mais intenso que seja, acaba e pode-se até criar um novo sonho, que seja bom enfim. escolher continuar sonhando é escolher a chance real de felicidade. tenho uma esperança um tanto desanimada pelo próximo dia, o que no inconsciente deve ter mais a ver com o próximo sonhar do que pelo próprio viver.

9.2.12

quando aprender a andar pela segunda vez é levitar

os olhinhos doces onde eu fazia meu lugar seguro antes de cair em sonos profundos e incertos. que me observaram nua, exposta, da pior forma em que estive até hoje. olhos que enxergaram sofrimento e devolveram ternura, sem penalidade e sem pagamento.
as mãos de algodão em que eu entregava meu pé sangrando em dor. mãos que me traziam um pouco de paz todos os dias num aperto carinhoso e de alma presente. as mãos que em mim procuraram veias escondidas, deslizando-se feito um setim dos céus, sobre a fragilidade do meu braço tanto perfurado.
hoje essas mesmas mãos pegaram as minhas num vamoslá que tem sido minha única expectativa desde o vinte e oito de dezembro. eu olhava pra baixo vendo o que estava conseguindo fazer, vendo pra crer que conseguimos. subi o olhar aos dele. pela primeira vez os olhos nos olhos à mesma altura. e de todos os ângulos, este.
os mesmos olhinhos doces. as mesmas mãos de algodão.
só hoje pude perceber que não preciso erguer o pescoço pra encontrar a delicadeza por trás das lentes dele. e quis dizer tanto através daquelas lentes, mas, quando olhei, e ele sorriu, perdi o equilíbrio.
andar é verbo transitivo.

2.2.12

a fuga de um pesadelo

passo apressado, senhor do bonfim no tornozelo direito - fita e fé esgarçadas num fio vermelho. buscava alguma pista entre os desníveis, no vagar errante da sua pisada. de cabeça baixa, o cabelo escondia insegurança. havia se perdido, não se lembrava de quem, de onde. paralelepípedos pernambucanos, iluminação com charme parisiense, casas baixas e abertas à vivência de outrem - as relações cariocas misturadas à acolhida baiana e à estranheza estrangeira. em busca desnorteada, acabou dentro de um quarto. colchonetes no chão. janela aberta pra rua. um casal enquadrado na madeira envernizada martelou um flash na memória. ele se deliciava sobre o pescoço dela, ela ria feito uma vagabunda. traidores! traidores! um soluço despertava do sono antes que a fala conseguisse alcançar o ar. enjoo. mas ainda estava noite.

apartamento em estilo veraneio. uma família que a amnésia não permitia reconhecer. pegou o elevador. no hall, conhecidos desconhecidos tentavam conversa. bateu o portão em direção a algum refúgio. pessoas preenchiam as ruas de branco. caminhavam num sentido único. era um ano novo, mas não sabia quem deveria abraçar. o olho ardeu querendo chorar. era maceió ou era o paraíso. a morte explicaria tudo o que não estava fazendo sentido. podia andar por todo lugar e os lugares eram todos num único. não era vista por ninguém. havia liberdade e solidão. descarregou os pés na areia. aliviou o peso da nuca com leveza e frescor, o mar, a bênção. caminhava entre pedras quando cruzou com o olhar cor daquele mar. paz. presente de iemanjá. abraço forte. reencontro encontrado. um sorriso despertava o novo dia encerrando a noite-aflição.

28.1.12

[o presságio] frankenstein

                                          que se danem(!)
as marcas
                 das feridas!
o orgulho
                                                                           não se importa
                                                                                    com as necroses
                                               na pele                           
                                    ou nas cordas vocais.
                                            a ansiedade,
                                              o ciúme
                                                          - vícios                                
tem                                                                                                     
vontade própria.                                                                        a razão,
                                                                           em vão, discursa.
a subtração
                       do ser

                                                  mais                                     o não ser
                                                  hoje                     não chega 
                                                                                               à solução.
quando os olhos
        estão embaçados,                                       números confundem. 
                                                                                    a nitidez   
                                                                                                   em dias
duplicados e trêmulos,
                                                                                encharcada  
                                                                                       de contradição. 
                                               cicatrizo,
                                                 penso                 tudo ao mesmo tempo:
                                          viver a história,
                                        tomar uma cartela,
                                     discar número errado.                       num ódio 
                                                                             infinito, 
perfuro 
              até sangrar.                sinto                                             voltar
                                                                              o vômito 
                                                                                               engolido.                                                     
                                    refaço-me e apodreço
                                                                              despedaço,
pereço.                               todos os dias
        uma experiência       sem progresso,                              um erro,                                   
um monstro                                                           obcecado 
                                                                                        pela felicidade,
                                                                              reconstituído 
        de corpos mortos.             meios                                                                                               
                                        para usurpar(-me).
uma vida
                                                                               em sangue 
                                                                                                    alheio,
                        só isso.
                                              não sei
                                              se sou 

                                                                               a, ab, o+ ou o-,
será que
                                    saber pode formar um                          ou outro
                                   pensamento sobre mim?
se você 
não tivesse
                   existência,

[restaria apenas],
                                                                               roubaria
a dos outros?
                                               escrevo                                    milhares 
                                                                               de linhas 
                                                                                              sem saída.
e se as palavras
                                                                                        mais sinceras
não me explicam,
                             quais,
                                            quem mais
                                                                               poderão?
a minha escrita
                                                                                                 egoísta,
                                                                                         pra ninguém
serve, 
           nem importa                                                se faz
salvar 
           ou ruir                                                  
                                             se liberta                                    
num corpo 
            (des)construído,                        falível,              criatura trágica.
                                                                                                                             

16.1.12

quinze de janeiro de dois mil e doze

Como todos os últimos dezoito dias, hoje despertei com uma das enfermeiras entrando no quarto. Luanda misturava o antibiótico na bureta com soro, quando percebeu meus olhos abertos. E me trouxe a primeira notícia lá de fora, pra onde eu sairia (finalmente!) em um bucadinho de horas.
- Tá uma chuviiinha hoje...

Depois entrou minha mãe. Comentou que estavam lavando o hospital, a parte de fora do prédio.
- Dá uma aflição eles trabalhando lá em cima, pendurados.
Minha mãe morre de medo de altura. Eu também, mas acho incrível aqueles homens presos por uma corda ou sei lá o que exatamente. Pontinhos em movimento, trabalhadores, diante dos grandes edifícios. Queria debruçar na janela, conseguir enxergá-los.
Voltei ao Chaves na tevê e esqueci. Hoje até minha mãe riu junto. Mas a distração logo acabou.

Comecei a ouvir uns jatos d'água. Depois, através da persiana aberta entre os vidros, dava pra ver a silhueta de uma pessoa entre um fio, com um balde pendurado ao lado. Na janela à direita, outra figura dessa enquadrada. Dava uma foto. Dois operários esfregando os dois grandes vidros. Uns cinco minutos de muita água com sabão pra limpar a visão tão gasta do Quarto Meia Quatro Sete. Fiquei curiosa pra saber quem estaria ali nos próximos dias. Nova vista.

A manhã parecia infinita à espera do Doutor André, que prometeu chegar ao hospital o mais cedo possível, sem deixar marcado um horário. Passou meio dia, uma da tarde, duas. A chuvinha diminuía, aumentava, mas não parava. A cidade também estava sendo lavada.

"Como é mesmo que anda o tempo? Será sempre assim tão lento?" Pensava nos períodos, momentos, às vezes lia meia dúzia de palavras de Minha Vida. Intercalava na cabeça sofrimentos distintos. O meu parecia tão diminuído. Mas nem Trotsky nem a Revolução tem sido capaz de afastar a ansiedade confusa dos meus dias sufocados. Tem sobrado pouco de mim pra todo o resto. O resto, que é o todo. As ideias de dentro ficaram grandes demais.

Já era a terceira vez do dia que meu quadril se levantava pra sentar na comadre. Maldita comadre. E nada do meu médico. A Luanda se despediu, a Angélica veio me mostrar as fotos dos filhotes, a moça da limpeza veio buscar as coisas que minha mãe havia separado pra dar. Medicação entrou pela veia, entrou pela boca, e eu ainda lá, no fim que não chegava. Apareceu a Cris, que andava sumida. Estava feliz pela minha partida.

Um pouco depois, o menino André. Jovem, mas brilhante.
- Aê, Doutor, finalmente!
Falamos um pouco, em seguida ele começou a trocar os curativos. Voltei a ver meu pé.
- Está menos inchado ou eu que me acostumei?, perguntei.
- Está do mesmo tamanho sim...
Um pontinho ou outro enroscava na gaze na hora de puxar. Uma parte mais cruenta (termo emprestado do Doutor) acabava doendo, mas as sessões de tortura tem sido bem mais suaves.

- Sabe, Brunna, a gente às vezes precisa sentir dor...
A frase me pareceu quase filosófica, mas na explicação dele era pura medicina. E ele ainda exigia que eu provocasse a tal dor, inclusive.
- Eu vou deixar sem a tala, mas você vai ter que fazer os movimentos com o pé, aquilo que o Massa te passou, direitinho.
- Mas com isso assim tão aberto ainda? Não vai sangrar? Não pode abrir?
O menino André deu o aval e, depois do trabalho feito, assinou meu alvará de soltura.

Ainda no hall do Beneficência Portuguesa, enquanto esperava o carro, percebi que o guarda-chuva no colo era dispensável.
De dentro do táxi, o vento na cara. A rua. A fachada do hospital. Os mendigos embaixo dos viadutos. O cinza molhado.
- Parece que quando chove a cidade fica mais nítida...
Minha mãe ficou praticamente internada como eu. Acho que ela teve muitas sensações parecidas com as minhas. Tudo lá fora está mais interessante do que o normal. A percepção. E não só havia acabado a chuva. O sol surgia!
- A chuva deu uma parada e agora o tempo tá até abrindo... Agora quem comentava era o taxista, no assunto típico de, obviamente, taxistas.
- Foi pra minha saída!, sorri.

As coisas que acontecem, os acasos, não significam nada. Se chove ou se faz sol, se acontece às duas ou às quatro. Se o dia é de limpeza ou se não. Se as pessoas selecionadas pra trabalhar naquele dia eram as que você justamente queria. Se as que foram te visitar eram as que você estava mesmo sentindo falta. Nada disso, mesmo que você queira, traz consigo qualquer significado.

Mesmo as palavras, oras! Que são as coisas que usamos pra dizer, dar e explicar significados. Basta olhar pra elas. O que significam? Soltas ou dentro de um contexto, elas poderiam ser outras. Mas são aquelas, determinadas, por um acaso, uma escolha aleatória ou não de quem as escreveu, de quem as vivenciou, sentiu. De qualquer forma, provavelmente o significado que as construiu será, mesmo que minimamente, distorcido pela absorção, tão particular, da retina alheia.

As coisas que acontecem, os acasos, tudo aquilo que a gente não quer ou quer, mas que se dão absolutamente independentes da sua vontade ou da sua atitude. As pessoas que você conhece, as que se vão, os acidentes, os dias de sol. Eles não acontecem pra te mostrar algo, te dar algum significado. Mas, inevitavelmente, você os encara conforme tudo o que te faz sentido, conforme a capacidade de absorver, tão particular, da sua retina. Algumas coincidências são meras coincidências. Mas, uma vez inseridas na sua vida, deixam de sê-las. Tornam-se parte da sua vida e a sua vida é o que te traz sentido, significados.

No fim da tarde, eu já em casa, voltou a chover. Voltou a limpar, lavar tudo. No fim da noite, fiz chover no meu corpo. Hoje a água do chuveiro caindo sobre a minha cabeça é uma sensação tão nova e renovadora quanto ver o sol ou a chuva que agora cai lá fora.