13.9.10

entre o sonho e a realidade

*Há diferentes tipos de divergência. Meu sonho pode transbordar o curso natural dos acontecimentos, ou desviar-se para um lado aonde o curso natural dos acontecimentos nunca poderá chegar. No primeiro caso, o sonho não causa mal algum; pode até sustentar e fortalecer a energia do trabahador [...].
Em sonhos dessa espécie, nada pode corromper ou paralisar a força de trabalho. Ao contrário. Se o homem estivesse completamente privado da capacidade de sonhar assim, se não pudesse de vez em quando se adiantar e contemplar em imaginação o quadro inteiramente acabado da obra que se esboça em suas mãos, eu decididamente não conseguiria entender o que faz o homem a iniciar e levar a termo vastos e penosos empreendimentos na arte, na ciência e na vida prática [...]. A divergência entre o sonho e a realidade nada tem de ruim, desde que o sonhador acredite seriamente em seu sonho sem deixar de atentar para a vida, comparando a observação desta com seus castelos no ar e trabalhando escrupulosamente na realização daquilo que imagina. Quando existe algum contato entre os sonhos e a vida, tudo vai bem.

*trecho do artigo "O erro da ideia pouco amadurecida", de D. I. Pissarev.

15.8.10

dia dos pais

na semana passada, um dia no terminal, toda a lotação, o movimento, a pressa e a frieza que eu to acostumada a ver foram ignoradas por uma família que devia ter vindo de longe. um misturado de mão e braço e choro e sorriso. eram mais de cinco, talvez 10... como pode num abraço só caber tudo isso de gente? a saudade deles se espremeu ali dentro, transbordou nas lágrimas felizes de um rosto sofrido, já enrugado. acho que era o avô de todos. uns pitiquinhos, outros mais velhos, já barbados, mas sem frescura nenhuma de parar alguns minutos da vida pra viver aquele momentinho.

[pra você, talvez até seja meio besta esses detalhes, mas enfim... toda aquela cena de novela acabou ficando na minha cabeça o resto do dia.]

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sequer me lembro da última vez que o vi. de alguma vez ter recebido ou demonstrado qualquer afeto. dizem que parente tem "laços afetivos" de qualquer jeito. pois eu nunca vi nenhum tipo de amor se construir do nada, sem carinho, sem conversa, sem respeito, sem alguma troca, sem presença.

agora, com a sua carcaça, não vai nenhum pedaço de tijolo que aquelas mãos machucadas construíram durante mais de cinquenta anos. nada do concreto que monopolizou - e endureceu - seu coração.
de abstrato, talvez um tanto de raiva e de maldade. talvez leve a mágoa que alimentou sua solidão esse tempo todo. queria saber o que pensou nos últimos instantes.

ainda sobrevivo sob o seu teto. mas nenhum canto dessa casa traz algum significado, alguma saudade. tudo que conquistou sequer carrega uma lembrança sua, nem foto. às vezes, só seu nome perdido numa conversa ou numa piada. a velhice não te perdoou. acho que ninguém te perdoou.

a notícia da sua morte não provocou em mim qualquer reação, dor, nada. tudo o que eu sinto é tão frio, que talvez esse texto esteja mentiroso, mostrando um sentimento que não existiu.

a minha lágrima só caiu pela certeza de não termos mais chances de ser o que podíamos.

hoje eu enterro meu amor moribundo, com todos os abraços que eu guardei pra te dar.

19.6.10

please...

I wouldn't mind if you took me in my sleep tonight
I wouldn't even put up a fight
I wouldn't care if you took it all away today
I'm sure I wouldn't even miss the pain

16.6.10

pacto

eram dois diamantes negros. tão belos e brilhantes quanto tristes... e misteriosos. só podia vê-los mirando fixamente por alguns segundos, parada e silenciosa. pois eram profundos, escondidos pelos traços - fortes - que o contornavam.
vidros blindados por lágrimas negras, endurecidas, secas, paralisadas.
me vi refletida.
aqueles espelhos puxavam minha imagem pra dentro de um mundo que me invertia, me distorcia. mas me tornava melhor do que me sentia.

descobri que poderia penetrar nos seus pensamentos quando você olhou nos meus olhos.

seu olhar me convidou a tocar sua mão.
- e eu jamais quis soltá-la.

de mãos dadas com você, ultrapassei os espelhos falsos. mal podia enxergar em meio às cores - todas muito escuras - que cobriam qualquer imagem vinda de lá de fora. te abracei mais forte pra me proteger dos monstros que encontrava em túneis intermináveis, flashes, vozes. e eu tive medo da escuridão, dos seus mistérios. eu me aproximei dos seus pesadelos. o ar estava embolorado, CANSADO, velho; cheirava a sonhos perdidos e tecido podre.

- mas eu jamais soltaria a sua mão.

então caminhei pelos canais de uma emoção quase morta. mas por onde meus pés tocavam, surgiam seres coloridos, água, frutos, tudo. num jardim secreto, a vida! uma felicidade sombreada de tristezas, que eu busquei por todas as linhas do seu pensamento. mas elas se escondiam entre corredores de um labirinto inextricável, em razões sem saídas.

me perdi, experimentei as gotas de tudo que explodia ali dentro, de tudo que você experimentava. entendi por que o seu gosto era tão bom! quando estive triste, minha lágrimas molharam sua alma. não encontrei - nem quis - qualquer porta que separasse meu corpo do seu. me rastejei pelas ramificações dos seus prazeres, onde os meus se encontravam. descansei no calor do seu coração. e cortei-o pra misturar meu sangue ao seu.




fizemos um pacto quando nos olhamos.

20.5.10

mosaico amoroso*

das suas palavras mórbidas e doloridas são forjadas estas minhas. tuas palavras quase me guiam. tudo em ti me atrai, me leva ao inesquecível. seus olhos me encantam assustadoramente. eu me assusto, mas estou certa de que já estive ali em outra ocasião. talvez por isso tenha sido tão incômodo. dessa vez, no entanto, fui apenas pra te buscar. quis levar a ti a minha esperança e minha luz. quero ser o eco da sua voz. conta pra mim o que esconde essa escuridão do seu olhar. o que há por trás dessa ausência do amor. o que há de errado com seu braço e com a sua cabeça. a paz do seu abraço escondia o abismo que eu poderia enxergar a passos de distância de nós. e eu até fechava os olhos pra não ver, apenas sentir o quão doce era seu gosto. meu sorriso iluminava tanto que nem você mais via qualquer espacinho vazio no nosso caminho. eu achei que com um Giz na mão poderia escrever uma nova história, acabar com A Tempestade dos meus dias, mas talvez tenha sido mesmo só mais um Tempo Perdido. espero que Os Anjos venham me salvar e que não me roubem Vinte e Nove amores pela minha vida. [porque eu não suportaria me sentir de novo como Daniel na Cova dos Leões]. apenas letras e melodias me guiam. histórias de quem eu nem conheço revelam histórias minhas. me perdi em promessas. chorei a paz perdida quando meu corpo deixou seus braços. emoção esgotada em discreta (in)felicidade de sorrisos não sinceros. mas é sobre a fé que eu caminho. e de repente tudo voltou ao normal. como se nada nunca tivesse mudado de lugar, como se nem uma lágrima sequer tivesse sido derramada.

*o que deveria ser o primeiro texto desse "projeto de blog" rs... uma colagem de retalhos de textos. recortei e colei trechos (em alguns casos, só uma frase solta) de alguns textos guardados num arquivo chamado 'umontedeletras'. um monte de letras juntas, por mais que possam parecer desconexas numa cabeça bem confusa, passam a fazer sentido quando colocadas numa mesma página. daí surge a ideia do blog.

13.5.10

duendes mortos

nós nos despedimos, mas ele vem comigo. a noite tá muito fria, ruim pra dormir sozinho. me senti aliviada. tenho demorado pra dormir por causa da cama gelada. então entramos no carro, quentinho e confortável.
- que saudade, amor. que bom que veio!
- também queria muito vir. hoje o dia foi ruim, pesado, cansativo. e durante o dia essa gripe me derrubou...
- é a minha falta... rs
- sim. mas vamos curar isso hoje!
[ele morde a língua e brilha os olhos pra mim. eu brilho meu sorriso e devolvo a malícia com o olhar]
ele liga o rádio. aquece uma mão na outra e apoia uma delas na minha perna. eu dirijo.
enquanto eu sinto seu carinho, cai uma gota na maçã do meu rosto. ele continua a conversa como se não tivesse visto. talvez não tenha percebido, na escuridão.
o locutor anuncia "a rádio dos melhores ouvintes". nós rimos - da rádio e de nós. ele canta e aumenta o volume...

take me on a trip upon your magic swirlin' ship,

my senses have been stripped, my hands can't feel to grip,
my toes too numb to step, wait only for my boot heels
to be wanderin'
i'm ready to go anywhere, i'm ready for to fade
into my own parade, cast your dancing spell my way,
i promise to go under it

as luzes dos faróis se deformam em raios verticais, coloridos, ofuscantes.
- e mais uma gota salga a minha boca.
ele aumenta o volume, abre a janela e canta mais alto...

i'm not sleepy and there is no place i'm going tooooo


eu soluço e as luzes se misturam ainda mais. as gotas surgem em cada nota da gaita até que o sr. tocador vai embora e nós nos calamos.
ele olha pro horizonte sobre os carros como se pensasse como eu.

- eu só quero ir pro cú do mundo, me jogar de uma ponte.

não ouço mais sua voz. nem sinto mais suas mãos me aquecendo.

à porta de casa, desligo o carro pra ele abrir o portão pra mim. ninguém desce.

11.5.10

sem assunto

(...)
até que, numa noite, a gente virou cada um pra um lado e dormiu sem sequer um beijo de boa noite. virei pro lado dele, pra estar ali - esperando -, caso ele quisesse esquecer o que tínhamos falado. tudo [tão desimportante] que havia passado. passado. sem sono e sem calor. demorei, mas dormi. com frio. com o frio da enorme distância que cabia em poucos centímetros. acordei tentando lembrar de como chegamos ali. em como a sua voz mansinha despertando um amor para acordar foi substituída por um puxão no dedo do pé. não lembrei...

9.5.10

bela felicidade

vi o rapaz primeiro, quando ainda estavam do lado de fora. os traços do rosto bem definidos. marcantes. um sorriso que irradiava até nos meus olhos.

[mais beleza há na sua felicidade que nos seus dentes e boca - perfeitos]

a porta abriu e ele, cavalheiro, deixou que uma moça passasse na sua frente.
um corpo delicado num vestido psicodelicamente colorido, sapatinhos meigos, tanto quanto seus gestos. ela também sorria.
agora eu podia observá-los inteiramente.
ele usava uma calça verde - quase no mesmo tom do verde que coloria a roupa dela.
era alto, o cabelo loiro escuro. a pele tinha um tom claro, mas dourado pelo sol. e o corpo parecia não ter nenhuma imperfeição.

[fantasiei por um milésimo de segundo]

eu não parava de olhar, acho que percebiam. mas pareciam nem se incomodar. já devem estar acostumados. não que fossem de uma beleza absurda e incontestável. não eram. reparei novamente e, definitivamente, não eram lindos - no que se convém socialmente a chamar de 'lindo'. mas havia sim alguma coisa muito bela naquele casal. algo mais atraente do que aquilo que se podia ver ou ter concretamente.

["belezas são coisas acesas por dentro"]

eles brincavam. umas brincadeiras meio bobas, umas caretas infantis. riam. só-riam.
eles me atraíam. tentei me lembrar de quando vi pela última vez uma paixão-beleza-felicidade tão pura. era tão doce!

chegou a minha estação, que era a deles também. perdi os dois de vista.
voltei a mim.

18.2.10

diluída

preciso diluir meus pensamentos
em letras de músicas - eu canto minha vida.
um set list eclético pra eu lembrar de cada pedaço do que fui e sou. colocar minha alma no mesmo lugar do corpo (acho que perdi aquele fiozinho que liga o espírito ao umbigo. saí de mim um dia e parece que, quando voltei, a pele, os ossos, as mãos... tudo estava pequeno demais. eu já não cabia mais em mim). grito pelos cantos do quarto a melodia caótica das alegrias e aflições que latejam tentando aumentar meu coração. mas ele não aguenta. às vezes parece que vai explodir.

preciso diluir meus sentimentos
em lágrimas e orgasmos - transbordo.
incontroláveis, a dor e o amor. inseparáveis, ele e eu.
num arrepio, lembro de ontem, anteontem, antes... quanto mais eu morro, mais forte é meu renascimento; ou quanto mais eu vivo, mais dolorosa é a minha morte.
minha paixão - meu ecstasy, preciso do seu prazer (in)finito todos os dias.

preciso diluir meus medos
em sonhos e criatividade - fujo.
confundo o rosto de uma com o cabelo de outra, as personalidades, o passado com o presente e o futuro. tudo se embaralha em cores quentes. noutro devaneio, em cores frias. mas cada detalhe faz sentido. meus pesadelos são quebra-cabeças mal montados. tudo entortado, mas todas as peças fazem parte do todo. da minha mente doente.

preciso me diluir
no que houver de mais repugnante em mim, na minha feiúra - minhas atitudes destroem.
anarquizei minha personalidade. fiz do ódio absurdo (por mim, pelo mundo) a anarquia mais inconsequente. voltei ao infantil. pra fugir do monstro que nasceu aqui. pra me diluir. me destruir.

7.1.10

três partes

parti-nos em três
fiz dois corações partidos
em milhares de partes
e você quase partiu.
.
.
.
1ª parte - O Pecado
"Vá se danar!
Você dá nada a ninguém
Nem um olhar
Nunca falou tudo bem
Tem, mas não dá
Sorrir jamais lhe convém
Você é má
Mas há de ter um bem
Você dá nada a ninguém
Vá se danar!
Danada, não perde o trem
Sabe nadar
Mas nada sabe de alguém que sabe amar
Eu quero ser seu bem
Você é má"
.
um gole. um olhar. um beijo
um surto
recebo.
encanto. aventura. desejo.
outro beijo.
um erro.
[continuo porque é sonho]
(te esqueço)

2ª parte - O Despertar
"Vá se danar!
Você dá nada a ninguém
Nunca dará
Nem mesmo um simples amém
A deus dirá
Diz que não vai à belém
Você é má
Mas pode ter um bem
Você dá nada a ninguém
Vá se danar!
Danada, finge tão bem
Sabe negar
Jamais dá a quem tem demais pra dar
Mas eu serei seu bem
Você é má"
.
meu despertar é te querer.
me desespero na dor
do meu prazer esvaziado
do pesar de te perder
enlouqueci.
3ª parte - A Morte
"Você é maluca
Você é malina
Você é malandra
Só não é massa...
E você magoa
E você massacra
E você machuca
Você mata!"
.
depois do pesadelo,
busco o certo e o errado
será mesmo a verdade?
questiono minha existência
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existe mesmo pecado (?)

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Última Parte - O Renascimento
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morre e nasce 
amor zumbi
nossa pele não cicatriza 
regenera 
amor
morto
mata-dor.