15.8.10

dia dos pais

na semana passada, um dia no terminal, toda a lotação, o movimento, a pressa e a frieza que eu to acostumada a ver foram ignoradas por uma família que devia ter vindo de longe. um misturado de mão e braço e choro e sorriso. eram mais de cinco, talvez 10... como pode num abraço só caber tudo isso de gente? a saudade deles se espremeu ali dentro, transbordou nas lágrimas felizes de um rosto sofrido, já enrugado. acho que era o avô de todos. uns pitiquinhos, outros mais velhos, já barbados, mas sem frescura nenhuma de parar alguns minutos da vida pra viver aquele momentinho.

[pra você, talvez até seja meio besta esses detalhes, mas enfim... toda aquela cena de novela acabou ficando na minha cabeça o resto do dia.]

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sequer me lembro da última vez que o vi. de alguma vez ter recebido ou demonstrado qualquer afeto. dizem que parente tem "laços afetivos" de qualquer jeito. pois eu nunca vi nenhum tipo de amor se construir do nada, sem carinho, sem conversa, sem respeito, sem alguma troca, sem presença.

agora, com a sua carcaça, não vai nenhum pedaço de tijolo que aquelas mãos machucadas construíram durante mais de cinquenta anos. nada do concreto que monopolizou - e endureceu - seu coração.
de abstrato, talvez um tanto de raiva e de maldade. talvez leve a mágoa que alimentou sua solidão esse tempo todo. queria saber o que pensou nos últimos instantes.

ainda sobrevivo sob o seu teto. mas nenhum canto dessa casa traz algum significado, alguma saudade. tudo que conquistou sequer carrega uma lembrança sua, nem foto. às vezes, só seu nome perdido numa conversa ou numa piada. a velhice não te perdoou. acho que ninguém te perdoou.

a notícia da sua morte não provocou em mim qualquer reação, dor, nada. tudo o que eu sinto é tão frio, que talvez esse texto esteja mentiroso, mostrando um sentimento que não existiu.

a minha lágrima só caiu pela certeza de não termos mais chances de ser o que podíamos.

hoje eu enterro meu amor moribundo, com todos os abraços que eu guardei pra te dar.