desejo apenas que o mar,
essa deusa imensidão,
te tome por inteiro e te leve
ao fundo e devolva
teu corpo à superfície.
para que, então, você respire,
beba água, veja o céu,
tome chuva, tome sol,
aproveite o natural,
o maravilhoso de ver e de sentir.
reflita, chore, ouça si mesmo,
dê muitas gargalhadas,
absorva o que for possível,
deite na areia e leia as estrelas.
alimente-se do mundo que te faz,
que tenha cor e movimento,
que você possa tocar, que seja vida.
e que, num dia desses, você acorde
com o canto de um passarinho
ou o som de um violão, ao longe.
converse com as pessoas,
abrace, beije, amoleça.
estamos em tudo isso...
mas precisamos nos aproximar
de nós mesmos, de nossos lugares
verdadeiros. e nos distanciar
daquilo tudo que não somos.
eu vi tua doçura em generosidade,
carinho em atenção e compreensão,
eu vi uma existência admirável.
e esse João ainda está
em algum lugar, eu sei que está...
uma hora tudo escurece
o suficiente pra gente,
ainda distante, se ver
brilhando no universo.
24.12.13
22.12.13
o que me interessa
Daqui desse momento
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
Assombram a paisagem.
Quem vai virar o jogo
E transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado
Só de quem me interessa.
Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto
e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o seu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurra em meu ouvido
Só o que me interessa.
A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa.
Lenine
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
Assombram a paisagem.
Quem vai virar o jogo
E transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado
Só de quem me interessa.
Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto
e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o seu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurra em meu ouvido
Só o que me interessa.
A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa.
Lenine
2.12.13
homem-satélite
luz, isca do paraíso,
sirva este ser faminto
que, febril, delira
pelos teus lábios.
meu pequeno sol,
raio-perspectiva-calor,
para onde vai
quando, em mim, anoitece?
sob as estrelas, abandonado,
ainda te prometo
um caminho claro.
em meu peito, um uni-verso,
teu espírito brilha!
volte logo, pela manhã.
desejo o descanso
- do berço
dos teus braços.
e, assim, o amor
- pratico
nos teus olhos, arco-íris...
nas tuas grandiosas medidas...
e te abro e dobro,
- redonda em minhas mãos
e teu perfume, combustível
do meu corpo, percorro.
apaixonado, ao céu recito
tua beleza, matéria-prima
de um doce poema.
sirva este ser faminto
que, febril, delira
pelos teus lábios.
meu pequeno sol,
raio-perspectiva-calor,
para onde vai
quando, em mim, anoitece?
sob as estrelas, abandonado,
ainda te prometo
um caminho claro.
em meu peito, um uni-verso,
teu espírito brilha!
volte logo, pela manhã.
desejo o descanso
- do berço
dos teus braços.
e, assim, o amor
- pratico
nos teus olhos, arco-íris...
nas tuas grandiosas medidas...
e te abro e dobro,
- redonda em minhas mãos
e teu perfume, combustível
do meu corpo, percorro.
apaixonado, ao céu recito
tua beleza, matéria-prima
de um doce poema.
19.11.13
meteoro
estrela cadente
- rastro brilhante
te vi ou
não te vi?
rasgou meu céu
sentido sul.
- rastro brilhante
te vi ou
não te vi?
rasgou meu céu
sentido sul.
16.11.13
(des)afinados
canto
para que
acorde
dos sonhos
surdos
danço
e falo
grave
no tom
das notas
desvio
seu caminho
pelas cordas
paixão
(pla)tônica
desliza
no violão
a nova
harmonia
pavio
para a vida
para que
acorde
dos sonhos
surdos
danço
e falo
grave
no tom
das notas
desvio
seu caminho
pelas cordas
paixão
(pla)tônica
desliza
no violão
a nova
harmonia
pavio
para a vida
10.11.13
soa a hora final
revelado o invólucro:
vida por lucro envolta,
fino e cruel tecido
a ser rompido.
bolha de falso níquel
bóia na superfície
da História das trocas
que destroem
e nos prendem
à sorte morta.
no trato sanguinário pregado,
o tempo cravado dos escravos
sob controle do livre trabalho,
per-fei-ta-men-te cro-no-me-tra-do
por um porco proprietário.
oculta, incivil, secreta
a essência criptografada:
originária mais-valia.
mais valeria em forma não vê-la,
mas, de suas vestes, despi-la!
- a exploração nua e crua.
crack! cresce a crise
- é o R (no meio) o entrave.
Resiste! Rebenta e Ressignifica!
R ao princípio: Revoluciona!
vida por lucro envolta,
fino e cruel tecido
a ser rompido.
bolha de falso níquel
bóia na superfície
da História das trocas
que destroem
e nos prendem
à sorte morta.
no trato sanguinário pregado,
o tempo cravado dos escravos
sob controle do livre trabalho,
per-fei-ta-men-te cro-no-me-tra-do
por um porco proprietário.
oculta, incivil, secreta
a essência criptografada:
originária mais-valia.
mais valeria em forma não vê-la,
mas, de suas vestes, despi-la!
- a exploração nua e crua.
crack! cresce a crise
- é o R (no meio) o entrave.
Resiste! Rebenta e Ressignifica!
R ao princípio: Revoluciona!
22.10.13
modo improdutivo
um ser cansado e sem sono,
estou morto,
sugado produto
da pervertida rotina
sem raciocínio
noturno, diurno ou vespertino.
vida privada
de sonhos e de descanso.
não há paz, não durmo.
enxaqueca relógio
de ponto,
tic-tac-tic-tac-tic-tac-tic,
ovelhas contadas
aos montes,
as catracas
da manhã e do atraso,
indisposto disciplinado
o (não-) futuro.
não fosse medíocre
o trabalho
- essa jornada de toneladas,
os homens teriam
prazeres
em versos e valores de uso.
mas cortados
em máquinas
seguimos contidos
a vácuo,
paridos a deus-dará,
o vil vazio desse tempo.
ó, bárbaro beijo,
razão em sufoco,
revolva este mórbido ciclo!
estou morto,
sugado produto
da pervertida rotina
sem raciocínio
noturno, diurno ou vespertino.
vida privada
de sonhos e de descanso.
não há paz, não durmo.
enxaqueca relógio
de ponto,
tic-tac-tic-tac-tic-tac-tic,
ovelhas contadas
aos montes,
as catracas
da manhã e do atraso,
indisposto disciplinado
o (não-) futuro.
não fosse medíocre
o trabalho
- essa jornada de toneladas,
os homens teriam
prazeres
em versos e valores de uso.
mas cortados
em máquinas
seguimos contidos
a vácuo,
paridos a deus-dará,
o vil vazio desse tempo.
ó, bárbaro beijo,
razão em sufoco,
revolva este mórbido ciclo!
15.10.13
vândalos
a questão é nada ou tudo
sabemos que já somos muitos
vestimos negro, desejamos
(e, se preciso, à força arrancamos)
futuro.
bárbaros antes nos sangram,
exploram nossos pais, roubam nossa liberdade,
privilegiam os senhores que os compram.
como agimos e o que pensamos
é uma resposta aos nossos sonhos
- natimortos!
pobres de preto em bloco
sim, somos quebra-bancos,
a linha de frente, o escudo
da bandeira perifa, o método lúcido:
resistência espontânea e crua,
juventude
marcada para morrer
em luta.
a palavra de ordem pichamos:
queima burguesia!
nos muros dos lucros ou na bateria
ao ato, avante!
ação direta, práxis
sem meias palavras ou teorias
revolta estética, simbólica, viva.
quem atira sobre os vidros
é a poesia!
- irrealizável, destruída,
que, sob repressão, não se concretiza.
sobre pedras arremessadas,
nas cidades vandalizadas,
contra a vida,
quem primeiro atira
é o capitalista.
sabemos que já somos muitos
vestimos negro, desejamos
(e, se preciso, à força arrancamos)
futuro.
bárbaros antes nos sangram,
exploram nossos pais, roubam nossa liberdade,
privilegiam os senhores que os compram.
como agimos e o que pensamos
é uma resposta aos nossos sonhos
- natimortos!
pobres de preto em bloco
sim, somos quebra-bancos,
a linha de frente, o escudo
da bandeira perifa, o método lúcido:
resistência espontânea e crua,
juventude
marcada para morrer
em luta.
a palavra de ordem pichamos:
queima burguesia!
nos muros dos lucros ou na bateria
ao ato, avante!
ação direta, práxis
sem meias palavras ou teorias
revolta estética, simbólica, viva.
quem atira sobre os vidros
é a poesia!
- irrealizável, destruída,
que, sob repressão, não se concretiza.
sobre pedras arremessadas,
nas cidades vandalizadas,
contra a vida,
quem primeiro atira
é o capitalista.
20.9.13
sabor a gosto
ser-corpo, ser-experiência,
não pertencer
- nem a você.
provar-se, sem
conservar-se, livre
encontrar-se.
apreender reaprender,
palavras
novas
formas.
em vôo
a-gosto
abrindo
setembro
- a primavera
virá!
para a América
do Sol,
flores
e calor
o amor
defenderá.
em qual outro
estado de si
não é
preciso dormir
para em sonho estar?
lamber os lábios,
olhos cerrados,
sentirá
mel, pétalas, sal.
não pertencer
- nem a você.
provar-se, sem
conservar-se, livre
encontrar-se.
apreender reaprender,
palavras
novas
formas.
em vôo
a-gosto
abrindo
setembro
- a primavera
virá!
para a América
do Sol,
flores
e calor
o amor
defenderá.
em qual outro
estado de si
não é
preciso dormir
para em sonho estar?
lamber os lábios,
olhos cerrados,
sentirá
mel, pétalas, sal.
6.6.13
arde e revolta
...ventos turcos
deu pra sentir
o gás lacrimogêneo de lá,
aqui, ardendo os olhos, sufocando a garganta,
ameaçando, "desobstruindo as vias".
...ventos turcos
também deu pra ouvir os tiros, aqueles mesmos das notícias,
das armas (não) letais
entre as nossas pernas, entre as pessoas,
e precisamos abaixar a cabeça pra nos proteger
do poder das armas, sobreviver ao desequilíbrio das forças
no cenário de uma ofensiva militar
no Viaduto do Chá e na Paulista,
mais covardia da polícia.
"isso é uma ordem do Estado
e vocês tem que obedecer"
- este é um soldado,
e o que ele tem a nos dizer.
o helicóptero joga uma bomba na avenida
e a tropa de Choque ataca
mesmo após o fim do ato.
não dá pra ignorar
que um espectro nos ronda
a Turquia é aqui!
só por hoje? vamos!
pra rua massificar.
deu pra sentir
o gás lacrimogêneo de lá,
aqui, ardendo os olhos, sufocando a garganta,
ameaçando, "desobstruindo as vias".
...ventos turcos
também deu pra ouvir os tiros, aqueles mesmos das notícias,
das armas (não) letais
entre as nossas pernas, entre as pessoas,
e precisamos abaixar a cabeça pra nos proteger
do poder das armas, sobreviver ao desequilíbrio das forças
no cenário de uma ofensiva militar
no Viaduto do Chá e na Paulista,
mais covardia da polícia.
"isso é uma ordem do Estado
e vocês tem que obedecer"
- este é um soldado,
e o que ele tem a nos dizer.
o helicóptero joga uma bomba na avenida
e a tropa de Choque ataca
mesmo após o fim do ato.
não dá pra ignorar
que um espectro nos ronda
a Turquia é aqui!
só por hoje? vamos!
pra rua massificar.
4.6.13
erro [id]eal
A cartomante responde:
- São os nomes!
Margarida isso,
Brunna aquilo.
Os planos se vão(s)...
Como um filho pródigo.
Sonham encontrar-se,
acima de tudo.
Ah, os sooonhos!
Um desejo presente:
conhecer
a vida
do índio, do grego.
Compreender
a existência
a existência
é
uma
busca
que há
muito pretende
as ideias
d i s p e r s a m m e t a s
d i s p e r s a m m e t a s
pe-lo-ca-mi-nho-ímã-atadas
atrav-
ÉS
D
O
atrav-
ÉS
D
O
TEMPO
[e do erro]
[e do erro]
do tempo
IDEAL.
do erro
o tempo
[e do tempo]
O ERRO
IDEAL.
do erro
o tempo
[e do tempo]
O ERRO
16.3.13
o horizonte como ponto de partida
"eu acho tão triste esse aeroporto", disse o rapaz sentado atrás. esperamos nossa partida. não sei se ele é daqui ou de Recife, os sotaques me confundem. estou certa apenas de que ele está para chegar em outro lugar. eu com meu sotaque paulista, sem graça, tenho que voltar e, na verdade, não sei por quê. os momentos forjam a dúvida à medida em que se sobrepõem. cá e lá, a cabeça não sabe o que a alma quer. sou compulsiva e me deixo levar. no final, é tudo mal pensado. às vezes dá certo. deu certo até agora pra ser o que fui até a linha anterior.
como em quase todas as partidas, sinto saudade de onde saio. quase todas porque aquelas em que deixo São Paulo, o coração é esperança e o olhar é adiante, poucas vezes preso e, quando preso, apenas por uma paranóia ou obrigação. por agora, só consigo pensar em Cristóvão, o índio negro surfista que deve estar em Moreré caminhando pela praia e observando o céu mais incrível que já vi. ou pode ser que ele esteja esculpindo uma nova tartaruga. ou, ainda, cortando o dedo por acidente ao observar o dente de um peixe capturado por um mergulhador. a maré já deve começar a vazar, enquanto a vila silencia o tom das conversas à distância, os cumprimentos que, mais cedo, todo mundo ouvia.
de novo, não vejo o horizonte. a possibilidade a olho nu volta a ser apenas consumo, milhares de informações desnecessárias, mercadorias, dinheiro, vitrines sem fim de ilusões sem. assim como Cristóvão, aqui as pessoas caminham, mas seus pés não tocam o chão. gastam sapatos em círculos de um labirinto, presas até que o horário de vôo se aproxime. me sento perto de uma loja de música, que tenta, da forma mais fake possível, tocar álbuns e versões alternativas de músicas turísticas.
Brasil é minha música preferida. e poderia dizer que a Bahia me faz, a partir de agora, dizer que Brasil também é minha comida preferida. mas me lembro do violino irlandês e da macarronada italiana, e aí já não sei mais. talvez por um tempo eu diga que moqueca é meu prato favorito, em vez de macarronada. eu vim em busca do meu coração tropical e, já no finalzinho desse caminho, encontrei. de primeira, a capital faltou em alguma parte. sobre Salvador escrevi outro dia:
'o anúncio de um assalto no Corredor Vitória é o antídoto ao romantismo em Itapuã. nossa terra é linda de viver e de morrer - foi o que ouvi. e tive que me desfazer de um celular com as únicas fotos lembranças. a miséria pode ser bonita nos telões dos festivais de cinema. a barbárie pode ser ficção ou um mundo invisível para os condomínios fechados das praias do Flamengo. mas lá ou cá, após o mais belo pôr-do-sol, nada é seguro. pedintes, assaltantes, viciados. saber de onde vem e pra onde vai parece não fazer diferença. à noite, a praia é proibida pelo medo.'
e Morro de São Paulo decepciona com seu mundaréu de argentinos com postura moderna de colonizadores - e os baianos com sua postura moderna de colonizados. apesar de Sebastian, que me vem à cabeça desde então e que me afastou o espírito patriota. acho muito bonito quando se tenta aprender sobre outra gente, outra língua, outra música. a beleza é o esforço em se comunicar sem arrogância, misturar-se sem saber exatamente fazê-lo, mas errar e se curvar para isso. então penso em voltar para Morro em menos de seis meses, quando ainda estará, para ouvir Sebastian tocar Vapor Barato depois de o sol se pôr do outro lado, avermelhando e anoitecendo. ou, penso, em conhecer, depois dos seis meses, Buenos Aires. imagino que ele possa estar neste mesmo minuto deixando o violão descansar e fazendo sua lenta despedida da casa rústica e do jardim floresta no quintal. deitado na cama com a mão debaixo da nuca, refletindo sobre a família e as pessoas e coisas do outro país, que o espera menos colorido do que a pintura real exposta em janela diante dos seus olhos abrasileirados por seis anos.
sem verde, mas também pensando em partir, eu aqui neste mini-shopping, onde vitrines anunciam produtos com 50% de desconto. e cá dentro me chega um riso do tipo que escapa logo que se conclui uma analogia irônica e ao mesmo tempo trágica. em Boipeba, as terras que há pouco tempo pertenciam a descendentes de aimorés vem sendo compradas a preço de banana por empresários, investidores e afins - brasileiros e gringos. as praias paradisíacas aos poucos se tornam cidades tão bizarras quanto qualquer parte do mundo capital. na beira-mar da semi-deserta Boca da Barra, um shopping no estilo boulevard contrasta agressivamente com a pureza verde e abundante dos coqueiros e da água ao redor. os nativos já sabem que os planos desse "barão", como dizem, são ainda maiores: "ele quer fazer um parque de diversão pra ele". a "Babilônia" é tudo o que não querem, e disso têm certeza tanta que a quase todo tempo reafirmam. a fala é ingênua, no sentido de ser pura, apesar de não facilmente enganada. o instinto naquelas pessoas funciona de maneira selvagem. o instinto funciona. onde a vida é tão simples que a destruição da vida é óbvia. a percepção é cristalina como a água das piscinas - as naturais.
não romantizar o modo de vida primitivo, não romantizar os modos de vida. nem o selvagem nem o urbano. devorar em diálogo. admirar o axé, o forró brega, o rebolado livre desta criança baiana que passa agora por mim. sim ver, não ignorar. ser canibal como em ritual. imaginei um filme quando um nativo de Moreré contou sobre essa prática que era realizada pela tribo que há cerca de duzentos anos habitava aquele mesmo lugar onde me coloquei por quatro dias. a história se desenvolve em processo circular e espiral, avança retornando em si mesma, o passado negando o presente e vice-versa. São Paulo e Moreré, Salvador e Boipeba, Morro de São Paulo e Buenos Aires.
de qualquer maneira, ainda vou viver ao lado do mar. não foi dessa vez. mas foi no Rio de Janeiro que prometi voltar logo pra ele, ficar bem pertinho um dia pra sempre. já sinto falta do horizonte.
como em quase todas as partidas, sinto saudade de onde saio. quase todas porque aquelas em que deixo São Paulo, o coração é esperança e o olhar é adiante, poucas vezes preso e, quando preso, apenas por uma paranóia ou obrigação. por agora, só consigo pensar em Cristóvão, o índio negro surfista que deve estar em Moreré caminhando pela praia e observando o céu mais incrível que já vi. ou pode ser que ele esteja esculpindo uma nova tartaruga. ou, ainda, cortando o dedo por acidente ao observar o dente de um peixe capturado por um mergulhador. a maré já deve começar a vazar, enquanto a vila silencia o tom das conversas à distância, os cumprimentos que, mais cedo, todo mundo ouvia.
de novo, não vejo o horizonte. a possibilidade a olho nu volta a ser apenas consumo, milhares de informações desnecessárias, mercadorias, dinheiro, vitrines sem fim de ilusões sem. assim como Cristóvão, aqui as pessoas caminham, mas seus pés não tocam o chão. gastam sapatos em círculos de um labirinto, presas até que o horário de vôo se aproxime. me sento perto de uma loja de música, que tenta, da forma mais fake possível, tocar álbuns e versões alternativas de músicas turísticas.
Brasil é minha música preferida. e poderia dizer que a Bahia me faz, a partir de agora, dizer que Brasil também é minha comida preferida. mas me lembro do violino irlandês e da macarronada italiana, e aí já não sei mais. talvez por um tempo eu diga que moqueca é meu prato favorito, em vez de macarronada. eu vim em busca do meu coração tropical e, já no finalzinho desse caminho, encontrei. de primeira, a capital faltou em alguma parte. sobre Salvador escrevi outro dia:
'o anúncio de um assalto no Corredor Vitória é o antídoto ao romantismo em Itapuã. nossa terra é linda de viver e de morrer - foi o que ouvi. e tive que me desfazer de um celular com as únicas fotos lembranças. a miséria pode ser bonita nos telões dos festivais de cinema. a barbárie pode ser ficção ou um mundo invisível para os condomínios fechados das praias do Flamengo. mas lá ou cá, após o mais belo pôr-do-sol, nada é seguro. pedintes, assaltantes, viciados. saber de onde vem e pra onde vai parece não fazer diferença. à noite, a praia é proibida pelo medo.'
e Morro de São Paulo decepciona com seu mundaréu de argentinos com postura moderna de colonizadores - e os baianos com sua postura moderna de colonizados. apesar de Sebastian, que me vem à cabeça desde então e que me afastou o espírito patriota. acho muito bonito quando se tenta aprender sobre outra gente, outra língua, outra música. a beleza é o esforço em se comunicar sem arrogância, misturar-se sem saber exatamente fazê-lo, mas errar e se curvar para isso. então penso em voltar para Morro em menos de seis meses, quando ainda estará, para ouvir Sebastian tocar Vapor Barato depois de o sol se pôr do outro lado, avermelhando e anoitecendo. ou, penso, em conhecer, depois dos seis meses, Buenos Aires. imagino que ele possa estar neste mesmo minuto deixando o violão descansar e fazendo sua lenta despedida da casa rústica e do jardim floresta no quintal. deitado na cama com a mão debaixo da nuca, refletindo sobre a família e as pessoas e coisas do outro país, que o espera menos colorido do que a pintura real exposta em janela diante dos seus olhos abrasileirados por seis anos.
sem verde, mas também pensando em partir, eu aqui neste mini-shopping, onde vitrines anunciam produtos com 50% de desconto. e cá dentro me chega um riso do tipo que escapa logo que se conclui uma analogia irônica e ao mesmo tempo trágica. em Boipeba, as terras que há pouco tempo pertenciam a descendentes de aimorés vem sendo compradas a preço de banana por empresários, investidores e afins - brasileiros e gringos. as praias paradisíacas aos poucos se tornam cidades tão bizarras quanto qualquer parte do mundo capital. na beira-mar da semi-deserta Boca da Barra, um shopping no estilo boulevard contrasta agressivamente com a pureza verde e abundante dos coqueiros e da água ao redor. os nativos já sabem que os planos desse "barão", como dizem, são ainda maiores: "ele quer fazer um parque de diversão pra ele". a "Babilônia" é tudo o que não querem, e disso têm certeza tanta que a quase todo tempo reafirmam. a fala é ingênua, no sentido de ser pura, apesar de não facilmente enganada. o instinto naquelas pessoas funciona de maneira selvagem. o instinto funciona. onde a vida é tão simples que a destruição da vida é óbvia. a percepção é cristalina como a água das piscinas - as naturais.
não romantizar o modo de vida primitivo, não romantizar os modos de vida. nem o selvagem nem o urbano. devorar em diálogo. admirar o axé, o forró brega, o rebolado livre desta criança baiana que passa agora por mim. sim ver, não ignorar. ser canibal como em ritual. imaginei um filme quando um nativo de Moreré contou sobre essa prática que era realizada pela tribo que há cerca de duzentos anos habitava aquele mesmo lugar onde me coloquei por quatro dias. a história se desenvolve em processo circular e espiral, avança retornando em si mesma, o passado negando o presente e vice-versa. São Paulo e Moreré, Salvador e Boipeba, Morro de São Paulo e Buenos Aires.
de qualquer maneira, ainda vou viver ao lado do mar. não foi dessa vez. mas foi no Rio de Janeiro que prometi voltar logo pra ele, ficar bem pertinho um dia pra sempre. já sinto falta do horizonte.
9.2.13
michèle et alex
- Faz quase dois anos... Sabia que era eu? Quer que eu vá embora? Queria vê-lo e também queria
que me visse... meus olhos. Não vai dizer nada? Você está bonito. É estranho ver você, está como em meus... Pensava que havia esquecido você... mas há semanas, quase todas as noites, vejo seu rosto. Por isso estou aqui, meus sonhos me enviaram. Deveríamos ligar para as pessoas com as quais sonhamos. A vida seria mais simples. Sonhei com você, o amor me acordou. Está me olhando, procurando saber quem fui. Não me reconhece mais. Mas eu o imaginava como você, cada detalhe... os cabelos também, mesmo que tenha mudado. Ainda tem os mesmos olhos brilhantes de meus sonhos. Nós dois corríamos... pelas cidades, vales e planícies, com botas de 7 léguas e você não mancava mais.
- Não manco mais.
- O quê?
- Não manco mais.
- Está vendo? O irremediável não existe. Ontem, fui à ponte. Terminaram o conserto. Agora está sólida.
- Por que tentou me esquecer?
- Nunca falei de mim... com aquela vida que tínhamos.
- Por que nunca veio me ver? Esperei por você.
- Tenho medo de nós dois, às vezes... muitas vezes.
- Você é covarde.
- Não. Pode me amar?
- Sim, como antes, mas não do mesmo jeito.
- Virei toda semana.
- Não volte mais.
- Sinto falta de você.
- Ainda tenho muito a consertar dentro de mim. Quero estar pronto para você. Quero que me veja como... Um outro homem. Na minha saída.
- Estarei aqui.
- Em seis meses... no Natal.
- Sim, eu sei.
- Encontra a meia-noite, na ponte.
- E lá farei seu retrato.
- Levaremos vinho.
- Um bom vinho.
- Sem veneno dentro.
- Dormiremos em um hotel. Tenho dinheiro. Eu trabalho.
- Vamos tomar café na cama. Você verá... vamos ter manteiga nas coxas, mel e geléia na barriga.
- Estou nos seus olhos, estou na sombra da sua boca.
que me visse... meus olhos. Não vai dizer nada? Você está bonito. É estranho ver você, está como em meus... Pensava que havia esquecido você... mas há semanas, quase todas as noites, vejo seu rosto. Por isso estou aqui, meus sonhos me enviaram. Deveríamos ligar para as pessoas com as quais sonhamos. A vida seria mais simples. Sonhei com você, o amor me acordou. Está me olhando, procurando saber quem fui. Não me reconhece mais. Mas eu o imaginava como você, cada detalhe... os cabelos também, mesmo que tenha mudado. Ainda tem os mesmos olhos brilhantes de meus sonhos. Nós dois corríamos... pelas cidades, vales e planícies, com botas de 7 léguas e você não mancava mais.
- Não manco mais.
- O quê?
- Não manco mais.
- Está vendo? O irremediável não existe. Ontem, fui à ponte. Terminaram o conserto. Agora está sólida.
- Por que tentou me esquecer?
- Nunca falei de mim... com aquela vida que tínhamos.
- Por que nunca veio me ver? Esperei por você.
- Tenho medo de nós dois, às vezes... muitas vezes.
- Você é covarde.
- Não. Pode me amar?
- Sim, como antes, mas não do mesmo jeito.
- Virei toda semana.
- Não volte mais.
- Sinto falta de você.
- Ainda tenho muito a consertar dentro de mim. Quero estar pronto para você. Quero que me veja como... Um outro homem. Na minha saída.
- Estarei aqui.
- Em seis meses... no Natal.
- Sim, eu sei.
- Encontra a meia-noite, na ponte.
- E lá farei seu retrato.
- Levaremos vinho.
- Um bom vinho.
- Sem veneno dentro.
- Dormiremos em um hotel. Tenho dinheiro. Eu trabalho.
- Vamos tomar café na cama. Você verá... vamos ter manteiga nas coxas, mel e geléia na barriga.
- Estou nos seus olhos, estou na sombra da sua boca.
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