23.10.16

a tristeza de Natacha

Da mesma forma que antes, nunca falavam sobre ele, a fim de não violar com palavras, assim lhes parecia, a elevação de sentimento que existia nelas, porém tal silêncio a respeito dele fez com que, aos poucos, e sem acreditarem nisso, as duas se esquecessem dele.
Natacha emagreceu, ficou mais pálida, e seu corpo ficou tão fraco que todos não paravam de falar de sua saúde, e isso lhe agradava muito. Mas às vezes lhe ocorria inesperadamente não só um temor da morte, como um temor da doença, da fraqueza, da perda da beleza, e às vezes, sem querer, observava com atenção seu braço nu, espantando-se com sua magreza, ou então, de manhã, mirava no espelho o próprio rosto, que parecia repuxado e digno de pena. Parecia-lhe que tinha de ser assim, e ao mesmo tempo era triste e terrível. 
Certa vez ela subiu a escada correndo e sentiu uma forte falta de ar. Imediatamente, sem pensar, inventou um motivo para descer e depois subir de novo a escada, a fim de experimentar suas forças e observar-se.
De outra vez, chamou Duniacha, e sua voz estremeceu. Gritou com a voz de peito com que antes cantava e escutou-a com atenção.
Natacha não sabia daquilo, e nem acreditaria, mas, por baixo do que lhe parecia a camada de lodo impenetrável que toldava sua alma, já rompiam as pontinhas finas e tenras das folhas de grama que teriam de se enraizar e assim recobrir, com seus brotos de vida, a tristeza que a oprimia e que em breve não seria mais visível nem perceptível. A ferida estava cicatrizando por dentro. 


[trecho retirado de Guerra e Paz (L. Tolstoi)]

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